quinta-feira, 20 de março de 2008

1968, XIV - A moveable feast, II

A segunda grande festa foi o Baile da Baronesa.

Para mim, começou na manhã de sábado. Era nos começos de novembro de 68; sábado de Feira da Providência. Naqueles anos a Feira da Providência realizava-se na Lagoa, junto da Hípica, e era o lugar onde você tinha que ir para saber das coisas, dos programas, das festas. Fui com uma pintora — vinte e poucos anos, pele muito branca e cabelos muito pretos e olhos pretos pintados tipo olhos de Cleópatra. E corpo violão, bem violão. Brincava com isso, se fazia de gostosa, era toda caras e bocs; mas pintava quadros interessantes. Ia vender quadros nalguma barraca — tinha o tal Setor Umuarama, sei lá por que levava esse nome — cheio de meninas bonitinhas, era o setor principal, e minha amiga (vou chamá-la de Marise) a pintora me arranjou uma credencial de ajudante-umuaramesco, e lá fui eu, dez da manhã, a feira abrindo, procurar a barraca da Marise.

Me perguntava ali por que ela, Marise das caras-e-bocas, tinha me escolhido como seu par. Bom, a resposta era óbvia; eu era um dos glitteratti do momento, ainda que um glitteratto meio de segundo plano, de modo que merecia acompanhar a Marise caras-e-bocas, Marise dos olhos de Cleópatra, Marise corpo de violão.

E ela fazia, sim, caras mis e zilhões de bocas; não falava, posava. E eu, junto dela, de glitteratto coadjuvante.

A festa da noite foi combinada ali; era o Baile da Baronesa. Alguém, parece que o Jaguar, alugava um casarão numa rua interna que ficava entre a Farani e o comecinho do Flamengo. A casa estava plantada no meio de um jardim enorme, muitas árvores mas também muitas lâmpadas iluminando as folhagens, energia ainda era coisa barata. À volta da casa uma varanda bem larga, e lá dentro, salões e mais salões, no primeiro andar, e quartos e mais quartos no segundo andar. O ambiente era muito doido; agora, relembrando aquela festa a quarenta anos de distância, eu sozinho — Marise das mil caras e bocas tinha sumido logo depois de entrarmos na festa — andando pelos salões em baixo, penso que as coisas eram um pouco feito a bacanal da sociedade secreta em Eyes Wide Shut de Kubrick. Mas sem solenidade, com escracho; e sem sexo explícito (que devia estar acontecendo, se fosse o caso, no segundo andar). Tinha, sim, nos salões, muito casal se atracando sem dar grande bola ao pessoal à volta, e sem chegarem às vias de fato. E eu passeando, devagar e sem o que fazer, só olhando.

Lembro de flashes da festa, cenas rápidas. Um deles: estou entrando num corredor quando vejo, melhor, revejo, reencontro, um professor meu de ginásio e colegial, professor que não via há cinco anos. Era boa pinta, elegantíssimo, no colégio; continuava boa pinta e super-elegante. Todo mundo sabia que ele era casado com uma passista de escola de samba — e agora, via esse meu professor surgir de um dos cantos do corredor no Baile da Baronesa, agarrado com a mulher e com uma das cunhadas. Me olha, me reconhece, e me fala como se não me visse há cinco minutos, e não há cinco anos, de porre mas distinto como sempre, Francisco Antonio, não está com inveja de mim? Não quer nos acompanhar?

Foi em começos de novembro, mês e meio antes da débâcle do Ato 5.

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