domingo, 25 de fevereiro de 2007

Heracles, um ancestral do tempo da guerra de Tróia (século XIII a.C.)

Depois traço essa linha, com a ajuda do livro de Settipani, Nos Ancêtres de l'Antiquité. No atacado, digamos assim, deve estar correta — e descendemos de Heracles, o dos trabalhos, eu e todo o Ocidente.

Heracles é o primeiro ancestral da dinastia dos Filípidas da Macedônia, de onde provêm Alexandre o Grande e seu pai Filipe II. E' também o antepassado dos Heráclides, família real da Ásia Menor da qual descendia Heráclito de Éfeso. Segundo a lenda, foi o protetor de Podarces, depois Príamo, rei de Troia. Príamo é, com frequência, identificado a Piyama-Radu, um personagem cujas aventuras bélicas estão contadas na “Carta de Tawagalawas.” E Tawagalawas é, com certeza, Eteocles (Etewekelewes), irmão de Polinice, rei usurpador de Tebas, e filhos de Édipo. Kádmos, o fundador de Tebas, está atestado historicamente, segundo descoberta arqueológica recente. Todos unidos num mesmo contexto lendário, é plausível que tenha existido um personagem que vai dar substrato à figura mítica de Heracles. Assim como, decerto, Édipo, túrannos de Tebas.

Soeiro da Costa (c. 1390-1472), um dos “Doze de Inglaterra”

Soeiro da Costa era pai de Afonso da Costa, alcaide-mor de Lagos, e avô do Dr. Cristóvão da Costa. Foi um dos “Doze de Inglaterra.”

Não há prova de sua filiação; mas foi, com certeza, filho ou neto de Afonso Lopes da Costa, que é atestado em Lagos em 1401, talvez já falecido a esta data. Soeiro teve um filho Afonso, e descendia de outro Soeiro, na linha de Afonso Lopes, que provinha dos alcaides-mores de Évora.

É um herói da cavalaria tarda. Conta-se que, tendo sido doze damas inglesas da melhor nobreza ofendidas em sua honra por doze fidalgos da terra, apelaram aquelas a seu rei, para que designasse campeões que por elas se batessem; mas nenhum campeão que lutasse pelas damas foi encontrado na Inglaterra. Lembrou-se então o rei que portugueses batiam-se com bravura e destemor, e apelou a cavaleiros de Portugal, para que viessem lutar pelas damas ofendidas. Doze cavaleiros lusos enfrentaram então em justas os doze ingleses ofensores, e venceram-nos, assim lavando a honra das damas inglesas. Esses doze cavaleiros ficaram desde então conhecidos como os Doze de Inglaterra. Os nomes desses cavaleiros - na verdade treze, em número - são conhecidos, e são, todos, personagens historicamente atestados: Alvaro Vaz de Almada (depois Conde de Avranches); Alvaro Gonçalves Coutinho, dito “o grão Magriço”; João Fernandes Pacheco e Lopo Fernandes Pacheco (filhos de Diogo Lopes Pacheco, um dos assassinos de D. Inês de Castro); Alvaro Mendes Cerveira e Rui Mendes Cerveira, também irmãos; João Pereira Agostim; Soeiro da Costa; Luis Gonçalves Malafaia; Martim Lopes de Azevedo; Pedro Homem da Costa; Rui Gomes da Silva e Vasco Anes da Costa, dito “Corte Real.”

Destes nos vai interessar Soeiro da Costa. Assim, diz o cronista Gomes Eanes de Zurara (1410-1474) na sua Crônica dos feitos da Guiné, “Ca hera hi Sueiro da Costa, alcaide daquella villa de Lagos, o qual era homem nobre e fidalgo, criado de moco pequeno na camara delrrey dom Eduarte [D. Duarte] e que se acertava de seer em muy grandes fectos; ca elle fora na batalha de Monvedro, com elrrey dom Fernando dAragom contra os de Vallenca, e assy no cerco de Vallaguer, em que fezerom muy grandes cousas, e foe com elrrey Lancaraao [Ladislau], quando barrejou a cidade de Roma; e andou com elrrey Luis de Proenca [de Provença], em toda a sua guerra. E esteve na batalha da Ajancout [Azincourt], que foe hua muy grande e poderosa batalha entre elrrey de Franca e elrrey de Jngraterra. Efora ja na batalha de Vallamont, cabo de Caaes, com o conde estabre de Franca contra oduque dOssestre, e na batalha de Monseguro [Montségur], em que era o conde de Fooes [Foix] e o conde dArminhaque [d’Armagnac], e na tomada de Samsooes [Soissons] e no decerco de Ras [Rheims?] e assy no decerco de Cepta [Ceuta] Nas quaaes cousas sempre provou, coomo muy vallente homem darmas.” (Algumas datas, para se precisar a cronologia: em 1411 acontece a batalha entre Luiz de Anjou, rei de Provença e Ladislau de Durazzo, rei de Napoles; em 27.2.1412 ocorre a batalha de Murviedro; de 1.8.1413 a 31.10.1413, o cerco de Balaguer; entre 1412 e 1413, a batalha de Montségur; em 1414, o cerco de Roma; em 25.10.1415, a batalha de Azincourt; e em 1418-1419, o cerco de Ceuta.)

Podemos reconstituir a biografia de Soeiro da Costa, em parte sobre conjecturas, em parte sobre o testemunho de crônicas como a de Zurara, e em parte sobre documentos. Soeiro da Costa terá nascido c. 1390, muito provavelmente em Tavira ou em Lagos, se seu avô (pai?) tiver sido - como se discutiu já - Afonso Lopes da Costa, que recebeu em 1384, do Mestre de Aviz, o prazo de uma azenha em Tavira. Em seguida vemos, já com vinte anos ou quase, Soeiro da Costa batendo-se nos principais campos de batalhas de começos do século XV, como o fizeram também Alvaro Vaz de Almada e o “grão Magriço.” Nos documentos, Soeiro da Costa aparece pela primeira vez em 8.5.1433, quando D. Duarte nomeia-o para o cargo de almoxarife de Lagos no Algarve, dizendo-o “seu criado.” Em 18.5.1439 D. Afonso V chama-o alcaide em Lagos no ato em que lhe concede uma tença anual de 200 000 libras. Está como alcaide-mor e almoxarife até 1450, embora seu genro Lançarote da Ilha apareça como almoxarife em 11.4.1443. Soeiro da Costa renuncia à alcaidaria-mor de Lagos em 1452, e em 5.2.1452, a pedido do infante D. Henrique, D. Afonso V nomeia Afonso da Costa, filho de Soeiro, para o posto de alcaide-mor de Lagos (em 3.1.1486 D. João II confirma Afonso da Costa como alcaide-mor de Lagos).

Ainda outra notícia, de verbete enciclopédico: “Tantas ações de cavalaria já o faziam célebre na Europa, e estando bem firmados os créditos do infante D. Henrique pelos sucessos dos seus descobrimentos, a cidade de Lagos, contra as murmurações dos críticos, quis fazer novo armamento no ano de 1445, para destruir a ilha de Arguim, que muitos prejuízos causava, e entregou juntas 14 velas ao capitão Lançarote da Ilha (ou de Freitas), que fora criado do infante D. Henrique, no foro de seu moço da câmara, e era almoxarife de Lagos, por mercê do mesmo infante. Soeiro da Costa, apesar de já ter certa idade mas que não afrouxara como militar aguerrido, ofereceu-se generosamente, e lhe foi dada a capitania de uma delas; as quais, todas reunidas a mais 12, com que os de Lisboa e da ilha da Madeira, nesta facção mais de honra que de interesse, nada quiseram ceder aos de Lagos, saíram daquele porto a 10.8.1445. Separadas as caravelas por um forte temporal que sobreveio, cada uma com incerto rumo buscava sítio diverso ao longo da costa; mas como prudentemente, Lançarote havia determinado que, no caso de tempestade, todas demandariam a ilha das Graças para se reunirem, e ali se foram juntando umas às outras, e chegadas depois a Arguim, entraram na ilha afugentando todos os habitantes, podendo apenas lançar mão a 12 homens, que destemidos se arriscaram com as armas na mão a defender-se, combatendo com os nossos, dispostos a morrerem e não a se renderem. Nesta ação mostrou Soeiro da Costa qual seria o seu esforço em lances mais arriscados, e não contente com a vitória, com a espada tinta em sangue infiel, como quem prezava mais a religião que o valor militar, pediu que o armassem cavaleiro para de novo se alistar naquela conquista do Evangelho, e havendo recusado outras vezes esta honra na Europa e de mãos reais, agora a requeria em memoria daquele triunfo, aceitando-a da mão de Álvaro de Freitas, comendador de Aljezur, tendo a glória de o acompanhar o capitão Diniz Eanes de Gram, escudeiro do infante D. Pedro e sobrinho de Gonçalo Pacheco, que fora anteriormente criado do infante D. Henrique, e então já aposentado no oficio de tesoureiro­-mor da Casa de Ceuta, que recebeu conjuntamente a mesma dignidade de cavaleiro. Lançarote da Ilha seguiu viagem, ambicioso de maior gloria, e Soeiro da Costa retirou-se para o reino, acometendo de passagem o Cabo Branco e a ilha de Tider, recolhendo-se a Lagos vitorioso, e com muitas presas que trazia. Soeiro da Costa foi casado com Mécia Simões, filha de Gil Simões, alcaide-mor de Estoi (também no Algarve), de quem teve uma filha, que casou com o capitão Lançarote.”

Soeiro da Costa morre em 1472; já estava falecido de pouco em 14.8.1472, pois a partir de janeiro de 1471 ainda recebia, por mercê de D. Afonso V, uma tença de 5 mil reais de prata. Fora casado, como ficou dito, com Mécia Simões, ainda viva no tempo de D. João II, filha de Gil Simões que tinha a alcaidaria-mor de Estói, localidade junto a Faro.

A família mais antiga do Brasil?


A família mais antiga do Brasil ou descende de alguém que veio na frota de Cabral, ou descende de algum índio que aqui vivesse, comprovadamente, antes de 1500... Como nossos ancestrais da terra tinham apenas culturas ágrafas, a next best option está em encontrar algum antepassado na frota do “seu” Cabral.

(Tem famílias maias que podem traçar suas genealogias aos séculos XII ou XIII — ou o equivalente, nas suas culturas; tenho a reprodução de uma delas que conforme o caso posso reproduzir aqui.)

Ao que parece, o meu pessoal tem um avoengo na frota de Cabral, um tio-avoengo: Pero Vaz de Caminha. Explico o parentesco. Em 1520 o Dr. Cristóvão da Costa, lente da universidade em Lisboa e desembargador da relação na mesma capital, casa-se com a filha de um colega, Guiomar Caminha, filha do Dr. Fernão Vaz Caminha, também da relação de Lisboa e professor da universidade. Filha, e herdeira, do morgadio dos Caminhas. Penso que o Dr. Caminha — num recibo de 1501 assina, imponente, O Doutor Caminha — era filho de Rui Vaz de Caminha, meio-irmão mais velho de Pero Vaz de Caminha, nascido c. 1450 e † 1500 nas Índias, o escrivão da frota de Cabral. Rui Vaz de Caminha casou-se com Catarina Fernandes, filha legitimada de Fernão Vaz, “clérigo de missa,” e de Constança Afonso.

Ou seja, o nome “Fernão Vaz,” que ainda alcança um primo no século XX, vem desse Fernão Vaz, clérigo de missa, que esqueceu os votos e luxuriou-se com a moça Constança. Seu neto é o Dr. Fernão Vaz de Caminha, que por sua vez passa prenome e patronímico ao próprio neto, Fernão Vaz da Costa, futuro marido de Clemenza Doria.

Na imagem, cujo copyright pertence aos IANTT, o presente de 50 contos que D. Manuel, em 1.4.1520, dá ao Dr. Cristóvão da Costa, quando de seu casamento. Diz, “...Doutor Cristóvão/ da Costa, filho do alcaide-mor de Lagos...” na 5a. e 6a. linhas. E, igualmente ao pé do documento, “Cristóvão da Costa fo. do alcaide-mor de Lagos...”

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Por que o ódio contra a inteligência?


Conversei isso muito, hoje, com Margô, sobre o que segue. Primeiro, lembro da frase de Steve Weinberg, Prêmio Nobel de física em 1979: se não fossem as universidades de pesquisa, os Estados Unidos seriam hoje apenas grandes exportadores de soja. Lembra que país exportador de soja? Hem? Hem?

Tanto a família dela quanto a minha — e põe aí nossos ascendentes comuns — sempre exibiram gente com instrução formal. Ou gente que patrocinava a cultura. Lembrei de um Tourinho que o Caio Tourinho desencavou em Coimbra, começos do século XVII; era dos baianos e estudava cânones por lá. No século XIX, tem gente cultivada a dar com o pé, na família de Margô: Demétrio Tourinho, que implantou a cátedra de medicina legal na Bahia; Simplicio Coelho de Resende e seu genro Antonio de Sousa Rubim, bacharéis e jornalistas. No século XX, Tio Álvaro, Álvaro Rubim de Pinho, o grande psiquiatra baiano, o Doutor Rubim, que motivou o comentário de João Ubaldo: “cuca que doutor Rubim não desentorta, ninguém desentorta.” Simplicio, pai dela. Os três irmãos Madureira de Pinho, Péricles, Demósthenes e Demades.

O lado da parentela comum começa em Nicola Acciaioli (1310-1366), grão-senescal de Nápoles. Descendia de catadores de acerola, como se viu, mas quis dotar Florença de uma universidade, o Palazzo degli Studj, anexo à Certosa. Do ramo dos duques de Atenas foi Donato Acciaioli (1428-1478), humanista, tradutor de Plutarco, cujos filhos tiveram como tutor a Lorenzo il Magnifico.

(Mas na verdade houve um doutor em cânones, lontanissimo, entre os Acciaiolis, messer Leone degli Acciaioli, que trouxe para a Itália da Ásia Menor os despojos de S. Tomé, e que depois aparece como doutor em cânones, e membro da corporação de' giudici e notai em Florença.)

Os Dorias medievais são um bando de senhores feudais brutalizados, brutta gente, como diz Mariana, mas, surpreendentemente, há mesmo poetas entre eles, como Perzivalle Doria, poeta provençal, do dolce stil nuovo, e Isotta, Marquesa de Saluzzo, também poetisa. Começo, no entanto, a lista quase contínua dos intelectuais da família no Dr. Cristóvão da Costa, nascido em Lagos cerca de 1485, e falecido em Lisboa em meados do século XVI. Foi bacharel em cânones por Salamanca, 20.2.1512. Doutorou-se em leis por Lisboa, em fins da mesma década. Foi reitor da universidade de outubro de 1526 a novembro de 1527, depois de ter servido como vice-reitor do Dr. Jorge Cotão. Desembargador da relação de Lisboa, desde antes de 1520, chegou a seu chanceler, o cargo mais alto do judiciário português à época. Fernão Vaz da Costa, o segundo marido de Clemenza Doria, foi seu filho; deles descendo com uma quebra na varonia.

Fernão Vaz foi antes uma espécie de cavaleiro andante tardio, homem de ação. Mas, logo no século XVII temos uma cabeça brilhantíssima na família, o padre Antonio Vieira (1608-1697). De Vieira não preciso falar; descendo de sua irmã, D. Inácia de Azevedo, casada com Fernão Vaz da Costa, terceiro do nome. Vieira era próximo aos sobrinhos desse lado: apadrinhou no batismo o sobrinho-neto Manuel de Sá Doria, nascido em 1676, e teve o pai deste, Francisco de Abreu da Costa, também terceiro do nome, como seu representante e porta-voz em Lisboa.

Em começos do século XIX meu trisavô José da Costa Doria aparece como “professor,” num documento de 1833. Em 1857, em Aracaju, testemunha o ato de fundação do primeiro teatro de Sergipe. Seu filho Doloque, Diocleciano da Costa Doria (1841-1920) é doutor em medicina pela Bahia em 1869, e depois diretor de instrução e higiene públicas, em Santa Catarina. O neto Antonio Moitinho Doria, Tunico (1875-1950), funda a OAB, no Rio, é também jornalista, e deixa várias coletâneas de ensaios, num estilo maravilhosamente límpido. Não preciso citar os primos arquitetos, MMM Roberto, Marcelo, Mauricio e Milton Doria Baptista, filhos de Yayá, da primeira geração da arquitetura moderna no Brasil. De papai falo depois.

No lado Accioli, meu trisavô José de Barros Accioli Pimentel (1820-1879) forma-se em medicina pelo Rio, e é considerado o Pai da Medicina Alagoana. Seu filho o Cel. Accioli de Vasconcellos, a quem Alayr chamava Botão de Rosa, ainda que não tendo estudos superiores completos, interessa-se pela telegrafia, sobre o que escreve uma monografia, e publica o Guia do Imigrante para o Império do Brasil, quando era diretor-geral de terras e colonização no império. Ah, José Antonio do Valle, bisavô de Nhanhã, mulher do Coronel Accioli, Dona Maria do Carmo do Valle. José Antonio do Valle era um bacharel em cânones coimbrão, e teve funções como juiz. Chegou a tomar ordens menores.

Do lado Moraes, mais gente. Os bacharéis: Prudente o velho, Prudente de Moraes, Prudente José de Moraes Barros; Manuel de Moraes Barros, o Tio Manduca — tios trisavós. Meu avô, Justo de Moraes (1883-1968), pai de mamãe, também advogada. Um engenheiro, o bivô, Luiz Mendes de Moraes, general de divisão com as honras de marechal, ministro da guerra em 1909; gostava de ser chamado Doutor Moraes, e não General Mendes de Moraes. Também seu sogro, Justo de Azambuja Rangel, e o cunhado, Silvio Ferreira Rangel, Tio Silvio. Todos engenheiros, que projetam e constroem o ramal de Vassouras da estrada de ferro por lá passando.

E agora vejo que, do lado de vovó, Herminia Gomes de Mattos Cresta (1888-1977), temos também bacharéis e engenheiros. Bacharel em cânones, Filipe Gomes de Mattos, que recebe o grau em 8.7.1773, conforme me comunicou hoje o primo Estrela. Seu neto Antonio Gomes de Mattos Jr. é engenheiro naval; estuda em Portsmouth e é considerado Pai da Marinha Mercante Brasileira. Sua mulher — a Joaquina da Praia da Joaquina, D. Joaquina Rosa de Oliveira e Costa.

E não preciso falar da inteligência familiar recente: o Neco, Prudente de Moraes, neto, que morreu na presidência da ABI (1904-1977), Tio Emanuel, Emanuel de Moraes; papai; Francisquinho, Francisco Eduardo Accioli Rabello, conhecido na Faculdade Nacional de Medicina como o Rabellinho, porque seu pai, Dr. Rabello, meu tio-avô, fora também um grande médico, Eduardo Rabello Filho. Antonio Paes de Carvalho. Muita gente. Do lado de Margô, Tio Alvaro e o pai dela, Simplicio, senador amazonense pela UDN (1913-1962); os Madureiras de Pinho; Rafael Carneiro da Rocha, o homem de voz de catedral submersa, como o chamava pessoa amiga. Muita gente.

No Brasil de hoje, a inteligência é desprezada, e provavelmente odiada. Contrastes históricos: na Russia de Pedro o Grande e Catarina a Grande, ou na entourage de Cristina da Suécia, filósofos eram tratados como se da nobreza fossem. Em Portugal e na França, desde o século XVI, a condição de letrado tornava o bacharel, doutor, lente ou juiz, pessoa de status nobre — elevava-o à nobreza, noblesse de robe, como se dizia. No Brasil império, ao tempo de Pedro II, catedráticos possuíam automaticamente o “título de conselho,” isto é, eram “do Conselho de Sua Majestade o Imperador.” Ao tempo da república velha, sim, a república dos bachareis, os catedráticos eram funcionários equiparados, no nível e no status, aos ministros do supremo.

A derrocada começou no tempo dos militares, e se acentuou nos governos Collor, FHC e Lula. Hoje tem professor universitário de universidade federal ganhando dois, três salários mínimos. Por que esse ódio à inteligência?

Na imagem: em outubro de 1526, o conselho dirigente da universidade de Lisboa decide ir falar com o rei D. João III em Alcochete; acima a ata da reunião. A assinatura do Dr. Cristóvão da Costa, reitor em exercício, Cristofforus, está no alto à esquerda. (Reproduzido do Auctarium Chartularii Universitatis Portugalensis, ed. de 1973, vol. II.)

Sou de Petrópolis desde o século XVIII...


Essa é uma descoberta de Rodrigo Estrela de Carvalho, primo do lado Gomes de Mattos, de vovó, mãe de mamãe. Filipe Gomes de Mattos, meu 5o. avô desse lado, era filho de Valério Gomes da Silveira, que teve uma das sesmarias mais antigas aqui da região, requerida em 7.2.1749. Tinha terras “nas bandas do Piabanha,” pelas alturas de Secretário. Filipe Gomes de Mattos foi avô de Antonio Gomes de Mattos Jr., Pai da Marinha Mercante Brasileira, casado com D. Joaquina Rosa de Oliveira Costa, filha dos 2os. Barões da Laguna, e a Joaquina que deu nome à Praia da Joaquina, em Santa Catarina; meus trisavós desse lado.

Em homenagem, mais uma foto daqui de casa, o alpendre junto à varanda.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Clemenza Doria (IV)


Alvará de 1559, no qual Fernão Vaz da Costa, “marido de Clemencia Doria, criada da Rainha minha senhora e avó,” é nomeado contador-geral das terras do Brasil.

A imagem tem o copyright do IANTT.

Clemenza Doria (III)






Eis aqui o rol das roupas e alfaias que “Clemencia” e “Catarina da Cruz” trouxeram para o Brasil; tudo preparado em dezembro de 1554. “Clemencia” é Clemenza Doria, e “Catarina da Cruz,” Catarina de Almeida, ou Catarina Lobo de Almeida.

Na última imagem, vê-se a assinatura: Raynha. Não é necessário enfatizar a proximidade das moças à real pessoa.

O copyright das imagens pertence aos IANTT.

Clemenza Doria (II)


Eis o depoimento de Cristóvão da Costa Doria perante a inquisição, em 1592, nas passagens onde diz de sua família. Ao pé do texto, sua assinatura.

O copyright da imagem pertence aos IANTT.

Aleramo Doria, banqueiro de D. João III


Esta é a primeira página do padrão de juros que Aleramo Doria, banqueiro genovês, teve de D. João III — 80 mil reis de juros perpétuos sobre a alfândega de Lisboa. Está dito que Aleramo Doria, genovês, financiou a câmbio a a exploração das Índias e da África (o que incluía o Brasil).

Foi Miguel de França Doria quem me falou desse documento, citado por Peragallo e por Morais do Rosário. Essa imagem foi-me enviada em 1998 por cortesia pelos IANTT, que têm seu copyright.

Clemenza Doria (I)

Esse é o texto On the ancestry and descent of Clemenza Doria, one of the earliest European settlers in Brazil, publicado online no site de Davide Shamà, a quem agradeço a gentileza. Foram feitas pequenas correções, face à documentação desde então descoberta nos IANTT. O link para o texto original é:

http://www.sardimpex.com/articoli/DoriainBrazil.htm



Brazil was discovered by a Portuguese fleet under the command of Admiral Pedro Alvares Cabral lord of Belmonte, in April 1500. Early colonizing efforts by the Portuguese crown were sporadic and consisted mainly of expeditions sponsored and directed by wealthy merchants like the Marchioni, Affaitati, or Fernão de Loronha, who was a converted and ennobled Jew. A more systematic colonial effort began after 1534 when King John III of Portugal spliced up the new land into a dozen or so chunks which were given as fiefs to merchants and enterprising noblemen who were supposed to settle in the colony and explore it.

We are here interested in some of the settlers that came to Brazil after 1548, when King John III decided that a centralized government was required to coordinate the Portuguese administration in the New World, and named Dr. Tomé de Sousa, a magistrate, as the country’s first governor-general. de Sousa belonged to a distinguished but partially impoverished family which traced its ancestry to King Alfonso III in the 13th century through illegitimate lines; he arrived in Brazil in early 1549 in a fleet one of whose ships was commanded by Fernão Vaz da Costa, another mid-level nobleman from the bureaucratic
establishment around the Portuguese crown. Fernão Vaz da Costa is one of our dramatis personae here.

Nearly half a century later his son Cristóvão da Costa, or Cristóvão da Costa Doria, as he is also
referred to in documents, gives a deposition before the inquisitor that had been sent to Brazil after 1590 to look for heretical and apostate misbehavior in the new continent. The portion of the deposition that interests us is:

..e foi perguntado de sua genelogia/ dixe que he cristão velho filho de fer/nao vaz da costa e de sua molher cle/mencja dorja genevesa não conhe/ceo seus auoos mas ouujo q seu a/uoo paj de seu paj se chama cristo/uão dacosta desembargador que/ foj em Lix.a e sua avoo maj de seu pai/ se chamaua guimar camjnha e ouujo/ dizer que seu avoo paj de sua maj se/chamaua andre dorja, teue tias jr/maas de seu paj florença da costa/ e dona fr.ca da costa molher que foj/ de Ant.o correa moradoras em Lix.a//

nao conheceo tios daparte da sua maj/ teue hum jrmão, que matarão em/Lix.a chamado Nicolao da Costa/ soltr.o e outros que morrerão e tem/ tres irmaas ujuas s. Luisa dorja mo/lher de Martim Carvalho, e fr.ca de saa/ molher de fr.co dabreu da costa e Anna dorja Jnda soltr.a e os djttos seus cu/nhados são cristãos uelhos e djxe q/sabia a doutrjna cristãa...

In full translation: when asked about his genealogy [Cristóvão da Costa Doria] answered that he is an old christian [had no Jewish blood], the son of Fernão Vaz da Costa and of his wife Clemencia Doria, a Genoese by birth; that he never met his grandparents but heard that his paternal grandfather was called Cristóvão da Costa, a supreme court justice in Lisbon, and that his grandmother on that side was called Guiomar Caminha; and heard that his maternal grandfather was called André Doria. Added that he had aunts on his father’s side, namely Florença da Costa, and Dona [Lady] Francisca da Costa, the widow of Antonio Correa, who both lived in Lisbon; on his mother’s side he didn’t know whether there were
uncles. He had a brother named Nicolau da Costa, single, who was killed in Lisbon; there were deceased brothers and sisters, and three surviving sisters, Luisa Doria the wife of Martim Carvalho, Francisca de Sá married to Francisco de Abreu da Costa, and Anna Doria, single. None of those people is of Jewish extraction and he himself was perfectly conversant with the Christian doctrine.

This deposition is dated 9 December 1592. The charge that had led Cristóvão da Costa Doria to the inquisition was a minor one, that he once overhead some heretical statement and
didn’t denounce it (see below) — he answered that he found it irrelevant and had forgotten about it, and the inquisitor let him go. One can see why: the charge was irrelevant, and Cristóvão da Costa Doria was very well connected by family ties to the Portuguese judicial establishment: his grandfather had been Chief Justice of Portugal (Chanceler da Relação de Lisboa) and a rector of the Portuguese University, then at Lisbon (later moved to Coimbra),
one of the oldest in Europe. One of his paternal uncles was also a supreme court justice, and it was probably felt by the inquisitor that one shouldn’t toy with such a well-connected individual.

Biographical data about Fernão Vaz da Costa are scarce, but we can recover a sketchy picture of his personality and that of his father. The father is the one who received a grant of 50,000 rs
(reais) in 1st May 1520 given by King Emmanuel I because of his marriage. Dr. Cristóvão da Costa becomes rector of the University of Coimbra in 1526 until late 1527, and is later made chancellor (chief justice) of the Portuguese supreme court. He was probably born just after 1480, and — since he is the one who received the 1520 grant — was the son of Afonso da Costa, alcaide-mor (military commander) of Lagos, and the grandson of Soeiro da Costa, a legendary navigator who explored the coast of Africa in the early 15th century, listed as one of those who took part in the semi-mythical exploits of the “Doze de Inglaterra” heroes. The family can be traced to the mid-12th century and bore the full da Costa coat of arms, as can be seen in a grant of arms dated 14 July 1605; it was assumed to be related to the homonymous da Costa family who held the hereditary offices of Portugal King of Arms from the 16th to the 19th century. (Thus the constant references to governor-general of Brazil Dom Duarte da Costa as an “uncle” of Fernão Vaz da Costa.) However such a connection remains to be proved.

Fernão Vaz da Costa is attested in Brazil from 1549 onwards; he was probably born around 1521-1525. He passed away (we know it from the transcription of the birth record of his last daughter Ana Doria) sometime between 1567 and 1568, and it is possible that his death was due to some accident such as a shipwreck or perhaps to some skirmish against the indians in Brazil, as he was still in his forties.

Was Cristóvão also well-connected on his mother’s side? Let’s review what we know about Clemencia, or Clemenza Doria, from first-hand sources.

— December 1554: two criadas da Rainha (see below) are sent to Brazil, with a comfortable amount of clothing, furniture and related stuff; the document is signed by the Queen of Portugal who personally supervised it. The girls are named: Clemencia [no surname] and Catarina da Cruz, and are identified as Clemenza Doria and Catarina de Almeida.

— 18 December 1556, letter from the aldermen of Salvador (Brazil) to the King of Portugal.
Reference is made among the casualties of a shipwreck to “...Sebastião Ferreira que hja por
procurador da cidade marido de Clemencja Dorja...” that is to say, Sebastião Ferreira, chief
alderman [speaker of the town council] of Salvador and the husband of Clemencia Doria. This
reference to Ferreira’s wife is highly unusual.

Sebastião Ferreira is a barely identifiable character. He was moço de câmara, that is, a kind of
equerry attached to the royal household with noble status. His position was an important one in the colony. The Ferreira family can be traced to the 13th century and belonged to the mid-level, non-titled nobility, but we cannot place this Sebastião Ferreira among its members for the lack of documents. Sebastião Ferreira and Clemencia Doria were married in early
1555, and had a daughter, Luisa Doria, who was married to Martim de Carvalho before 1592.

— 1559. Alvará (royal decree) naming Fernão Vaz da Costa chief controller (contador-mor) of the colony. He is referred to as “...fernão Vaz da costa m.or nas ptes dobrasyl casado cõ clemencja dorja crjada da Ra. minha sra e aVo q no cargo de qt.dor das teras dobrasil...” that is, Fernão Vaz da Costa who lives in Brazil and is married to Clemencia Doria criada of the Queen my grandmother, who in the position of controller of the land of Brazil...

We have to explain here the meaning of criada of the Queen. The word derives from the verb criar, to create, to educate. One followed here the feudal usage: a criada of the Queen was a young noble lady who was educated in court close to the queen and attended to the queen as a private servant (criada in today’s Portuguese means servant). It used to be an exalted situation, and many younger children of grandees appear among the criados and criadas of the royal household since the 15th century.

— 1580. In 16 June 1580 a plot of land was granted to the monastery of St Benedict (São Bento) in Salvador (Brazil). In the description of the limits of the land reference is made “...e pa. p.te da Cid.e parte com terra de Clemençia a Doria...” that is, and in the direction of the town, it is limited by land owned by Clemencia, the one who is a Doria. One should further notice that the way the lady’s name is spelled could be seen as the archaic version of Clemenza, as ç sounded as ts in the 16th century Portuguese spelling.

— 1591. A deposition by a priest to the inquisition. The incident described was said to have
happened in the house of Clemencia Doria, referred to as a widowed lady who lived next to the
monastery of St Benedict in Salvador in 1590.

— 1592. The quotation given above, of the deposition of Cristóvão da Costa Doria before the
inquisition.

The picture we can infer from these testimonials in the documents is that Clemencia (or Clemenza) Doria had an exalted status in the colony. She arrived in Brazil in early 1555 and her trip was personally supervised by the Queen. We can estimate that she was born
around 1540 later, and passed away after 1591.

She was Genoese, and the daughter of one “André Doria.” How can we identify her father in the Doria pedigree? There are several caveats to be taken into account here. First, “genoese” means, of immediate Genoese stock. She might have been born in Genoa — a very likely possibility — or in Portugal, of a Genoese father. Also, Clemenza was obviously illegitimate — her son doesn't mention her mother's name — but illegitimacy was however irrelevant both in Portugal and in Italy. Just to mention some Portuguese examples: the Aviz dynasty was of illegitimate stock, as well as the grandest nobles of Portugal, the Dukes of Braganza. The elder Vasconcellos line, soon to become Counts and Marquesses of Castelo Melhor, again derived from a bar-sinister line; the Pereira de Mello family, Marquesses of Ferreira and Dukes of Cadaval in the 17th century, originated in a string of illegitimacies; the Marquess of Montebello, Machado, had as first known ancestress a 12th century Vasconcellos lady said to be... a whore! — so that one cannot identify who sired her children.

Also one must avoid taking literally the reference to “André Doria,” since names became at that time easily garbled in translation. The British Sudeley became Sodré, in Portugal. Lomellini appears as Nominijm, or even Melim. Paretino Adorno was mutated into Paulo Adorno; his brother Ambrogio Adorno became Diogo, or even Joffo Adorno in Portuguese documents. Eliano Spinola was metamorphized into Lucano, and then Luciano Spinola. So, the safest way to proceed is:

— to look for a Genoese Doria in Portugal,
— who, moreover, was close enough to the Crown to place a daughter as criada da Rainha, as a noble lady in the Queen’s service.

His name — André Doria — in Cristóvão’s deposition should be taken as a guide, or as a pointer; a kind of first approximation. The Portuguese national archives (ANTT, or Torre do Tombo) document about twenty individuals with the Doria family name from 1450 to before 1600. They can be more or less organized into three groups:

— The Doria who settled in the Madeira. These are geographically well defined and clearly
characterized.
— The Doria in the Algarve. We identify one Luis “Douria” from Albufeira, 1529, and one
“Baltazar” Doria at Loulé, in 1522, both with minor official positions.
— Those that do not fit into the above categories, and they go from Afonso Anes Doria, who
received a pardon from King John II in 1490 to Aleramo Doria, who acted as a banker to King
John III.

Let us take a closer look at Aleramo Doria. He is attested in a padrão de juros (a kind of bill of
exchange) guaranteed by revenues from Lisbon’s customs and dated 1st January 1557. He is described, “alarame doria genoves Vizinho da cidade degenoa elaamorador pr meservir eajudar,” that is, Aleramo Doria, Genoese, born at Genoa and living there, as he served me and helped me [the King of Portugal]... Aleramo Doria lent money “a caimbo,” that is, through an exchange procedure to help finance the Portuguese explorations and military operations in Africa and India, a collective term that included Brazil at that time. The 1557 document guaranteed him the receipt of 80,000 rs of perpetual interest over the customs’ gains, a rather sizable sum, as it would be around $ 800,000 today. (This gives only an estimate of the current value; conversion was made by gold prices; and one should allow for a 30% margin of error.) Aleramo Doria acted through his representative in Lisbon, Benedetto Centurione, probably his kinsman, as our Genoese merchant was the son of Francesco Doria and of
Gironima Centurione, a daughter of Lodisio Centurione Scotto, the banker who sponsored Columbus in the Admiral’s first business dealings in the Madeira in 1478. Francesco Doria also financed Columbus, as he lent him money for a 25% share in the costs and revenues of Ovando’s 1502 expedition to the Americas.

We have here a line of Doria merchants one of whose business activities consistently has to do with the financing of the Iberic overseas explorations.

We therefore identify Aleramo Doria as the “André Doria” named by Cristóvão da Costa Doria as his grandfather. Aleramo > “André” is a reasonable enough mutation; and Aleramo was close enough to the Portuguese crown to have a daughter — illegitimate or not — placed as criada da Rainha. There are two more facts to be considered here:

— The Nobiliário de Affonso Torres, a lineage book composed around 1635 in Portugal by
Affonso Torres and of which just three copies are known, one of them in the Brazilian National
Library in Rio, mentions in the chapter on the Silva family a marriage between one Clemencia de Oria filha de Lourenco de Oria (daughter of Lourenco de Oria) and a Silva de Meneses. The
marriage actually took place between Braz da Silva de Meneses and Clemencia Doria the
granddaughter of our Clemenza Doria and her first husband Sebastião Ferreira, through their
only daughter Luisa Doria, who married Martim de Carvalho. There is here a confusion between the grandmother and the homonymous granddaughter but how are we to explain Lourenco ? A bad, tentative reading of Laramo, Loramo, or Aleramo’s name as it appears in Portuguese: Alarame, Larame.
— Aleramo Doria the banker had a brother Niccolò. This might be reflected in the name of Clemenza’s eldest son, Nicolau, who was killed in Lisbon. We notice that papponymic procedures are strictly followed in Clemenza’s children: Luisa, very likely due to Lodisio Centurione; Nicolau; Cristóvão, because of the paternal grandfather; Guiomar, the paternal grandmother, and so on.

(The alternative is to look for an Andrea Doria who was influential enough in the Portuguese
administration, but so far we have found none.)

We conclude with a sketch of a descent line from Clemenza Doria and Fernão Vaz da Costa. We notice that the da Costa Doria name is still used today by many members of the family.

Fernão Vaz da Costa b. Lisbon c. 1521-25; dec. Brazil, 1567/8, married in 1557 Clemenza Doria, b. Genoa (very likely) c. 1540, dec. Brazil, Salvador, after 1591, widow of Sebastião Ferreira in 1556. Several children, of which the second born was:

1. Cristóvão da Costa Doria
Bapt. Salvador, 17 July 1560, dec. after 1606. Married D. Maria de Meneses, d. of Jerônimo Moniz Barreto de Meneses and of first wife D. Mécia Lobo de Mendonça. Parents of:

2. D. Antonia de Meneses
Also referred to as D. Antonia Doria de Meneses in the 18th century Brazilian lineage books. Bapt. 1606 in Salvador (Bahia, Brazil); dec. after 1648. M. Salvador, 17 September 1631 Antonio Moreira de Gamboa, n. Salvador c. 1590, dec. after 1648. Son of Martim Afonso Moreira, b. Setúbal (Portugal) in 1550, dec. after 1622 (Salvador, Bahia) and of Joana de Gamboa. Eldest son:

3. Martim Afonso de Mendonça
B. 1632 Salvador (Bahia, Brazil), dec. after 1680. Fidalgo da Casa Real, that is, nobleman of the royal household. M. (1st) D. Inês de Carvalho Pinheiro, without issue. M. (2nd) D. Brites Soares, d. of Sebastião Soares, with issue. M. (3rd), 10 September 1665 at the Monte Recôncavo, D. Joana Barbosa, d. of Miguel Nunes Peixoto and of D. Concórdia Barbosa. Son, of the 3rd marriage:

4. Gonçalo Barbosa de Mendonça
B.c. 1675, dec. 1737, captain of militias. M. 24 April 1716 at the Socorro church, D. Antonia de Aragão Pereira, d. of Alberto da Silveira de Gusmão and wife D. Isabel de Aragão. Son:

5. Cristóvão da Costa Barbosa
(1731-6 May 1809), lord of sugarcane plantation and mill (engenho) “Ladeira,” S. Francisco do Conde (Bahia). M. cousin D. Antonia Luiza de Vasconcellos Doria (1744-1825), d. of Manuel da Rocha Doria and of D. Ana Maria de Jesus e Vasconcellos, a distant niece of Columbus’ wife Filipa Muniz. This marriage revived in the children the Costa Doria family name. Children:

— José da Costa Doria, lord of engenho (sugarcane mill) “Boa União.” B. 1765, dec. 2 December 1803. M. first cousin D. Luiza Arcângela de Menezes Doria, with descent that used the name Costa Doria.

— Manuel Joaquim da Costa Doria, b.c. 1775, dec. after 1843. M. first cousin D. Teresa Mariana de Menezes Doria, with descent that went on with the name Costa Doria.

Among descendants of this line are to be mentioned:

— Diocleciano da Costa Doria (1841-1920), doctor of medicine and politician; state representative in Sergipe (northeastern Brazil). Implemented major sanitary measures when responsible for educational and health services in southern Brazil. A grandson of Manuel Joaquim through his son José da Costa Doria.
— João Agripino da Costa Doria (1854-1902), mayor of Salvador (1895), professor of surgery at the School of Medicine in Bahia. A grandson of Manuel Joaquim through his younger son Antonio Joaquim.
— Antonio Moitinho Doria (1875-1950), who founded the Brazilian Bar Association. Diocleciano's son.
— Architects M M M Roberto (Marcelo, Milton and Maurício Roberto Doria Baptista), leaders of the modern Brazilian school of architecture. Grandsons of Diocleciano.
— Gustavo Alberto Accioli Doria (1910-1979), journalist and drama critic, one of the leading
theoreticians of modern theater in Brazil. Another of Diocleciano's grandsons.
— João Agripino da Costa Doria Neto (1919-2000), businessman and politician, a former federal representative (1962-1964) from the state of Bahia.
— João Doria Jr (b. 1957), his son, former head of the Brazilian federal tourist corporation
Embratur.
— José Carlos Aleluia da Costa [Doria], opposition leader at the Brazilian House of
Representatives (1998-2010).

Descended from other lines are many well-known Brazilians like e.g. composer Chico Buarque de Holanda, a 5th gson of D. Joana Angélica de Menezes Doria, sister of D. Luiza Arcângela and of D. Teresa Mariana above.

Fontes

Reclamaram que não dou as fontes. Ei-las:

— Um albergo na origem dos Dorias vem do artigo de Cesare Cattaneo Mallone di Novi, “Famiglie, alberghi e parentelle,” em G. Pistarino, ed., Dibattito su Quattro Famiglie del Grande Patriziato Genovese, Genova (1992).

— A genealogia abaixo vem de N. Battilana, “Famiglia Doria,” em Genealogia delle Famiglie Nobili di Genova, Genova (1827). Tem umas correções (poucas) nas primeiras gerações.

— A genealogia dos Arduinici me foi comunicada por Cesare Patrignani; a dos marqueses de Ivrea vem, basicamente, das Europäische Stammtafeln.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

De Arduino e Oria della Volta até Clemenza Doria

A linha é a seguinte:

1. Arduino.
Personagem do qual só conhecemos notícias através de tradições que nos vêm pelo menos do século XIII. Eis uma delas: Traggono la loro origine da Arduino, Visconte di Narbona, verso il 1050. Questo visconte passando da Genova per andare crociato a Gerusalemme si ammalò gravemente e fu ospitato in casa di una vedova della famiglia De Volta, dove curato si innamorò di una delle sue due figlie a nome Oria [Orietta] e la tolse per sua. Ebbe da lei un figlio: Ansaldo, che dal nome della madre fu detto “figlio d’Oria.” Outras variantes da narrativa tradicional dão o nome do pai desta Oria (Auria) della Volta; seria Corrado della Volta, ou de Volta. Há um fato que sugere a verdade ao menos parcial dessa narrativa: em 1161, as casas dos della Volta e dos Dorias eram lado a lado em Gênova, segundo Giovanni Scriba, vivendo juntos Ingo della Volta e seu filho Marchese, e, ao lado destes, Simon Doria. Além do mais, sempre houve uma associação política e comercial entre os dois grupos familiares, o que sugeriria um parentesco entre as famílias. E, enfim, uma ancestral de nome Oria para esta família é um fato que parece documentado indiretamente. Mas outra alternativa veria Arduino como idêntico a Arduino Conde de Canavese, provindo dos Arduinici, Condes de Auriate, donde o nome da família. Segundo a tradição, Arduino e Oria tiveram três filhos, dos quais segue:

2. Ansaldo.
Dado indiretamente como filius Auriæ. Este teria tido igualmente três filhos. Segundo a tradição foi seu filho:

3. Genualdo.
O nome deriva-se de Genua, baixo latim para Ianua, Gênova. Dado como um dos de filiis Auriæ num documento de 1110. Também dito Zenoardo, Gherardo, Genoardo. Pai de:

4. Ansaldo Doria.
Personagem historicamente documentado, nele começam as genealogias contínuas desta família. Foi cônsul de Gênova em 1134 e depois em 1147, e como cônsul esteve na tomada que os de Castela fizeram a Almería e Tortosa — pois há muito tinham os genoveses vínculos com a Espanha. Giovanni Scriba refere-se a este, em 1156, seja como Ansaldo Doria, seja apenas como Doria. Casou com Anna..., filha de Niccolò... Talvez tenha se casado com uma prima Doria em segundas núpcias. Do primeiro casamento, pai de:

5. Simon Doria.
Personagem de grande projeção no seu tempo em Gênova. Lá nasceu entre 1130 e 1140; foi cônsul de Gênova seis vezes, entre 1165 e 1188, quando combateu pelos interesses da pátria e de sua própria família na Sardenha. Participou também das negociações subsequentes entre Gênova e Pisa, intermediadas por Frederico Barbarroxa, pelas terras sardas. Combateu no assédio a S. João d’Acra ao lado de Filipe Augusto e de Ricardo Coração de Leão em 1191, tendo sido nomeado almirante em Gênova no ano de 1189 para o fim de comandar a frota genovesa que ia auxiliar os cruzados. Morre depois de 1195. Filho,

6. Niccolò Doria.
Teria nascido em Gênova por volta de 1150. Em 1188 testemunha um dos muitos acordos de paz com Pisa, este patrocinado pelo papa Clemente III. Em 1197, desafiando o podestà genovês Drudo Marcellino, lança-se ao mar numa expedição vitoriosa contra a Sicília; voltando a Gênova, viu que o podestà havia derrubado a casa-torre dos Dorias no borghetto da família, junto à igreja de San Matteo. Sua revolta só é contida pela ação do podestà em resposta. Foi cônsul da comuna em 1201. Em 1202 representa Comita II, sr. do julgado de Torres na Sardenha, nas negociações para o casamento de Maria di Lacon, filha do próprio Comita II, com o marquês Bonifazio di Saluzzo. Em 1207 comanda expedição militar à Sardenha contra os pisanos. Em maio de 1212 hospeda em sua própria casa, em Gênova, o jovem imperador Frederico II. Citado nos documentos genoveses pela última vez em 1224. Filho:

7. Manuele Doria.
Sr. de Valle Stellanello e de Andora. N.c. 1180 ou pouco antes, em Gênova; atestado em 1202, quando comprou, de um filho de Obizzo Malaspina, em sociedade com Guglielmo Embriaco, certos direitos de pedágio no Val di Trebbia. Em 1210, com trinta anos ou mais, casa-se com Giorgia (na forma dialetal sarda, Iurgia) di Lacon, filha de Comita II di Lacon, sr. do julgado de Torres, e neta de Barisone II de Lacon, por um breve período rei da Sardenha. Foi cônsul da comuna em 1215; representou então Gênova no quarto Concílio de Latrão. Podestà de Savona como o pai, em 1223; depois, em 1225, podestà de Albenga. Atestado desde 1223 nos feudos da família na Sardenha, em setembro de 1224 induziu o cunhado Mariano III di Lacon, irmão de Giorgia, a renovar a aliança com os genoveses.

Dois incidentes marcam, ainda, a vida de Manuele Doria. Em 1233 conspiram vários sardos contra o herdeiro de Torres, Barisone, uma criança, filho de Mariano di Lacon. Entre eles, mais notório, Michele Zanche, futuro sogro de Branca Doria. Mal sucedida a conspiração, os conjurados fogem para Gênova, onde pedem, já em 1234, a Manuele Doria e a seu filho Percivale, que sirvam de intermediários entre os conjurados e os Lacon. A paz é feita. Então, traiçoeiramente, já retornados à Sardenha os conjurados, entre os quais Zanche, provocam em 1235 uma insurreição na qual morre o pequeno Barisone.

Ainda em 1241, junto com o irmão Ingo, e mais o primo, o poeta Percivale Doria, Manuele Doria tentou derrubar o governo guelfo em Gênova. Fracassando, submetem-se todos e são os Dorias conspiradores banidos da pátria durante dez anos. Em 1246 esteve Manuele Doria em Florença, como vigário do podestà Frederico de Antióquia, um dos bastardos de Frederico II. Em 1248 Manuele é feito podestà em Como, na qualidade de um dos mais notórios gibelinos da Itália. Terminado o banimento, em 1251 volta a Gênova, quando, por influência do papa Inocêncio IV, um Fieschi, recebe uma quantia compensatória como espécie de anistia pelo seu exílio já cumprido. Torna-se, no mesmo ano, um dos conselheiros da comuna, quando negocia, junto ao filho Niccolò, um pacto com Florença para atacar Pisa. Filho:

8. Niccolò Doria.
N. pouco após 1210, é atestado em Gênova entre 1250 e 1263. Senhor vários dos feudos familiares na Sardenha, c. (por volta de 1230) c. Preziosa, filha natural (legitimada pelo pai e depois pelo papa) de Mariano III de Lacon, senhor do julgado de Torres na Sardenha, e sobrinha de Giorgia di Lacon, mãe deste Niccolò. É um dos plenipotenciários que assinam, em 13.3.1261, o tratado de Ninfeu com os Paleólogos imperadores de Bizâncio. Morreu em janeiro de 1276 e está enterrado em San Fruttuoso. Pais de:

9. Babilano Doria.
N.c. 1240 (data estimada, por ser primogênito de Niccolò o notório Branca Doria, n.c. 1230), † antes de 1316. É enviado por volta de 1270 por seu primo Oberto Doria, capitão de Gênova, à Riviera del Ponente, como vigário do governo genovês para pacificá-la e expulsar grupos de malfeitores lá estabelecidos. C.c. Leona, filha de Oberto Savignone, e teve dois filhos conhecidos, dos quais segue:

10. Federico Doria.
Atestado em Gênova em 1297. Obscuro, comprou em 1298, com seu irmão Niccolò, o feudo de Oneglia ao bispo Lanfranco, titular da diocese de Albenga, na Riviera del Ponente. Seus descendentes foram, todos, co-senhores de Oneglia; numerosíssimos no século XV, já não podiam mais viver dos rendimentos das terras e voltaram-se para o comércio, para subsistirem. Foram ambos, Federico e Niccolò, srs. de Borgo S. Agata. Federico teve seis filhos homens conhecidos, dos quais:

11. Percivale Doria.
Atestado em 1297, num mesmo ato notarial onde comparece seu pai. Obscuro. Pai de:

12. Giano Doria.
Seu irmão Ceva Doria está atestado em 1345; é este Ceva ou Sceva Doria quem, em nome da república, pacifica a Riviera do Levante em 1397. Pai, Giano, de:

13. Aleramo Doria.
Sua irmã Argenta Doria está atestada em 1395. Aleramo casou com Andreola... . Pais de:

14. Leonello Doria.
Atestado em 1427. Casou com sua prima Eliana Doria, filha de Niccolò di Acciò di Ceva Doria, este irmão de Giano Doria. (Ver acima.) Tiveram o filho (e.o.):

15. Aleramo Doria.
Segundo do nome, casou com Giacoba, filha de Melchiorre ou Marchio Vivaldi, que já era viúva em 1461. Três filhos citados, dos quais:

16. Francesco Doria.
Casou com Gironima Centurione, filha do banqueiro Luigi Centurione Scotto e de Isabella Lomellini. Centurione, com o cunhado Eliano Spinola — Eliano era casado com Argenta, irmã de Isabella; filhas de Battista Lomellini e de Luigia Doria, prima esta, no 2o. grau misto com 4o., do almirante Andrea Doria — e a Baldassare Giustiniani, ganham em 1471 o direito de explorar o alume de Tolfa, que pertencia ao papado. Aplicando seus ganhos, Centurione envia à Madeira, em 1478, Cristoforo Colombo como seu agente, para comprar caixas de açúcar, e apesar do insucesso deste negócio específico, permanece até o fim da vida ligado ao almirante (Luigi Centurione † 1499). Francesco Doria é o banqueiro de Sevilha que financia a parte de Colombo na viagem de Nicolau Ovando à América em 1502, e igualmente identifica-se ao pai de Cristóvão Doria, navegador natural de Faro, no Algarve. Filho:

17. Aleramo Doria.
Filho de Gironima Centurione, terceiro do nome Aleramo, nascido antes de 1508 em Gênova, é atestado num padrão de juros de 1.1.1557, passado em nome de D. João III em Lisboa, dando-lhe 80$000 rs perpétuos anuais sobre a alfândega de Lisboa. Neste padrão é dado como “genovês, vizinho da cidade de Gênova e lá morador,” e tem como agente em Lisboa a Benedetto Centurione. D. João III diz ainda que Aleramo Doria financiou-lhe, “a câmbio,” em parte, as expedições portuguesas à África e à Ásia. Este Aleramo Doria (“Alaramo,” “Laramo,” “Loramo”) é identificado ao “Lourenco” de Oria que é o pai da “criada da rainha D. Catarina” Clemenza Doria. Eis passagens do padrão de 1557: Dom Joam & c aquamtos esta minha quarta virem façosaber que considerando ...o lugar o quetenho em africa que pollos Reys destes Reynos foram ganhados ao muyto trabalho edespesa ...y nas partes da Jndia y alem della foy necesairo fazer gramdes guastos edespesas ...se tomou gramde somae camtidade dnr.o [de dinheiro] acaimbo ...ep.r quamto alarame doria genoves Vizinho da cidade degenova eLaamorador p.r meservir eajudar ...alarame doria porseu Respondemte benedito centurjão estamdo nestacidade ...pmr.o diadeJan.ro do dito anno de bLvij ...Afolhas Vay asynada p.lo barão daluyto... Aleramo Doria casou com Benedetta, filha de Alessandro Cattaneo. Filha:

18. Clemenza Doria.
N.c. 1540; genovesa de nascença e bastarda. Criada da Rainha D. Catarina, passou ao Brasil em 1555, onde casou duas vezes, c.g.; † após 1591. Tinha casas em frente ao convento de S. Bento, em Salvador. Da primeira vez, c.c. com Sebastião Ferreira, †1556; da segunda, c. 1557, com Fernão Vaz da Costa, filho do Dr. Cristóvão da Costa, chanceler da relação de Lisboa e reitor da universidade em 1526, casado em 1520 com Guiomar Caminha, filha do desembargador Dr. Fernão Vaz de Caminha, sobrinho ou sobrinho-neto de Pero Vaz de Caminha. O Dr. Cristóvão era filho de Afonso da Costa, alcaide-mor de Lagos, e neto de Soeiro da Costa, † 1472, alcaide-mor de Lagos e um dos “Doze de Inglaterra.” Eram dos Costas antigos. C.g.

Arduino di Canavese

Por que este, e não algum outro dos Arduinos? Bom, Arduino di Canavese está na faixa temporal correta — é atestado adulto em 1040, e † antes de 1090. E é uma espécie de peregrino, pois sai das terras da família, ao norte, e vai lutar no sul, na Puglia e na Sicilia.

E, enfim, sua família paterna, os senhores de Ivrea, têm conexões com o sul da França, a Provença, de onde aparentemente se originam.

Uma fantasia genealógica

Fico fascinado pelo mistério da origem dos Dorias, embora, como Fusero falou, ninguém vá perder o sono devido a isso. Vou tentar montar a questão como um problema, cujos dados são:

— Em começos do século XII, os Dorias, mal chegados à documentação conhecida, mostram-se poderosos o suficiente para liderarem uma expedição militar à Sardenha, e terem um dos seus (Ansaldo) escolhido para o governo de Gênova, num período de forte influência feudal no burgo.

— Os primeiros Dorias formavam um albergo do qual participavam também os della Volta, poderosa casa feudal.

Se nos guiamos pelo nome do ancestral lendário, Arduino, encontramos, ao norte de Gênova, um clã feudal de notoriedade e força, um de cujos membros — outro Arduino — proclamara-se rei da Itália em começos do século XI. São os Arduinici.

Resumo-lhes a história: o mais antigo é certo Arduino/Hardouin, cavaleiro de origem normanda, atestado em meados do século IX. Teve dois filhos, outro Arduino (II), e Ruggero. Parece que deixaram a França pela Itália em 888, na comitiva de Guido, Duque de Spoleto. Tornaram-se vassalos de Rudolfo, Conde de Auriate (próxima e ao norte de Gênova).

Ruggero ou Roger é adotado pelo Conde de Auriate, Rudolfo, a quem sucede no condado em 905. Casa-se com a viúva do pai adotivo, e têm dois filhos, mais um Arduino (III), que morre depois de 977 — ver abaixo — e Ruggero (II), † 950, pai de Guntilda, † após 962, mulher de Amedeo de Ivrea, filho de Anscario, Marquês de Ivrea.

Arduino (III), dito Glabrione — era careca e glabro — foi Conde de Auriate e, depois de uma conquista militar, Marquês de Turim desde 962. Teve diversos filhos: uma Alsinda ou Anselda (cf. Ansaldo, nome comum entre os primeiros Dorias), mulher de Ghislebert Conde de Bergamo, e vigário imperial em Pávia.

Uma filha de nome desconhecido foi a mulher de Dado, Marquês de Ivrea depois de 967. Aqui traço com mais formalidade a sucessão genealógica.


1. Amadeus
Viveu no condado de Langres, e † após 827. P.d.:

2. Anscario
Conde de Oscheret entre 877 e 888. Conselheiro de Boso, rei da Borgonha e da Provença. Era do partido de Guido, Duque de Spoleto, a quem acompanhou de volta à Itália em 888. Torna-se Marquês de Ivrea entre 898 e 902. P.d.:

3. Adalberto
Marquês de Ivrea após 902. Possuía feudos na Provença, e casou-se duas vezes. Primeiro, com Ghisella di Friuli, filha de Berengario I, Marquês de Friuli e Rei da Itália, e de sua mulher Bertha di Spoleto. Da segunda vez, em data entre 911 e 914, com Ermengarda da Toscana, filha de Adalberto, Marquês da Toscana e Conde de Canossa, e de sua mulher Bertha da Lorena, uma carolíngia. Deste casamento tiveram, e.o., a:

4. Adalberto
Conde de Pombia, 962. P.d.:

5. Dado
Faleceu em 980. Sucede como Marquês de Ivrea; como Conde de Milão em 967, e como Conde de Pombia entre 973 e 1001. Sua mulher foi, ou teria sido, uma filha de nome desconhecido, de Arduino Glabrione. (Ver acima.) De seus três filhos nos interessa:

6. Arduino, Rei da Itália
Marquês de Ivrea em 996. Teria mandado matar o bispo de Vercelli em 997, e é excomungado em 999. Coroado Rei da Itália em Pavia em 15.2.1002. Reinou até 1013, quando foi deposto e aprisionado como monge na Abadia Fruttuaria, em San Benigno Canavese, perto de Turim.

Antes do ano 1000, casou-se com Bertha, filha de Oberto II, um Obertenghi, Marquês da Ligúria Ocidental. Tiveram três filhos; segue:

7. Arduino Ardicino
Conde de Ivrea em 1029, e senhor do bispado de Vercelli. P.d.:

8. Arduino di Canavese
Conde di Canavese, † antes de 1090. Lutou na Apulia e na Sicilia por volta de 1040. E' identificado ao Arduino que, segundo a lenda, foi o ancestral dos Dorias. Teria tido filhos com uma senhora da família della Volta, em Gênova — de nome Auria? — devido à associação entre os dois clãs, embora derivemos o nome da família antes do condado de Auriate que de uma ancestral Auria/Oria.

Por que chamei de fantasia genealógica? Porque pressinto que toda genealogia tão antiga oscila entre o conto de fadas e a fantasia pura. (Dados acessíveis pela web.)

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Minha casa




Em cima a casa, vista do fundo do jardim. Moramos aqui desde junho de 1976: trinta anos, portanto.

Depois, um canto dos fundos do jardim. Foi nesse canto, à direita, que Helio Pellegrino descobriu a banheira velha. Margô tava lembrando: ele veio correndo dizendo, vocês não sabem os tesouros que o Chicão tem nesse jardim, uma banheira antiga, uma grade toda enfeitada...

(Fotos nossas.)

Gustavo, meu primo, em 1998


Gustavo Roberto Vieira Doria, meu primo, filho de Luiz Moitinho Doria, abaixo, morreu em 2005. Estivemos, Margô e eu, com ele, em Salvador em janeiro de 1998, quando para lá viajamos. Engraçadíssimo: sou o único mal-humorado da família. Gustavo veio nos receber, no lobby do Hotel da Bahia, desse jeito, e com um chapéu de palha de coronelão da zona do açúcar.

(Foto nossa.)

São José de Cupertino


Já contei sobre minha passagem por Florença, em dezembro de 1992, para fazer duas conferências no grupo de Marisa Dalla Chiara. O Dipartimento di Filosofia da Università degli Studj fica nos anexos a uma igreja barroca, no caminho para Bolonha, e me levaram para visitar todo o prédio. Na sala da congregação, um afresco (vejam a foto) que ninguém identificava. Olhei de perto: um milagre ultra-conhecido de San Giuseppe di Copertino, um santo estranhíssimo do século XVII.

Um garoto cai doente; levam San Giuseppe a seu quarto, para abençoá-lo. San Giuseppe entra em êxtase e voa, voa, voa — aparentemente com muitas testemunhas. Não foi, ou não teria sido, caso isolado.

Na foto: Maria Luisa Dalla Chiara, Decio Krause, yours truly, e, de suéter azul, o Cantini, um grande matemático. (A foto me pertence.)

Helio Pellegrino


Em 1985, quando fiz quarenta anos, dei um almoço de arromba aqui em casa, um zilhão de pessoas. Na foto, Serginho, meu primo, Helio Pellegrino, e de costas, Chiquinho, meu colega no Instituto de Física e orientando de doutorado.

Helio conversou nesse dia, quase obsessivamente, com outro amigo, o Affonso. Quando Affonso caiu derrubado pelas cervejas muitas, Helio ficou procurando o dito, cadê aquele cristão com quem eu tava conversando? Cadê aquele cristão verdadeiro?

De repente Helio sumiu. Foi encontrado no fundo do jardim, no caminho para o nosso matagal de fim de terreno, olhando em êxtase uma banheira velha, das de pezinhos, onde Margô juntava folha velha para fazer composteira.

Helio morreu em 1987. Sempre que passo, em São Paulo, pela Avenida Helio Pellegrino, conto pro chofer de táxi, tomei bons porres com meu amigo que deu nome a essa avenida :))

(A foto é dos albuns aqui de casa.)

Um jantar em 1971


Em dezembro de 1971, a Editora Vozes ofereceu, numa churrascaria do Rio — a Recreio, na Marquês de Abrantes — um jantar aos seus autores, se não digo principais, ao menos os mais insistentes, que sempre estavam batendo papo na sede da editora no Rio, no Tabuleiro da Baiana.

No lado direito da imagem: Eduardo Chuahy, então controller da empresa, coronel da aeronáutica recém-cassado (depois foi deputado estadual várias vezes, e secretário do Brizola); Heloneida Studart, também depois deputada estadual; yours truly; Rose Marie Muraro, já líder feminista naquele tempo; Luiz Costa Lima; Roberto DaMatta; Luiz Felipe Baeta Neves Flores.

Do lado esquerdo, não reconheço. À margem, as assinaturas, da esquerda para a direita: Clarencio Neotti, diretor da Vozes e editor da Revista Vozes, onde publicávamos a torto e a direito (dois anos depois desse jantar Clarencio me casava com Margô na igreja conventual de Santo Antonio); Louis Althusser a.k.a. Antonio Sergio Mendonça, no tempo dos seus furores althusserianos; Milton José Pinto; não sei; Felipe Baeta; Heloneida; Rose Marie; Roberto DaMatta; Luiz Costa Lima; não sei; Aroldo Rodrigues, psicólogo então recém-doutorado nos EUA; não sei; Maria José Coelho, secretária-geral da Vozes; dois não identificados; Muniz Sodré, depois professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ e hoje presidente da Biblioteca Nacional; no canto embaixo, frei Ludovico Mourão de Castro, ex-aluno de Husserl e diretor-presidente da Vozes; mais uma não identificada; e Gilberto Vilar de Carvalho, um dos editores da Vozes.

A foto me pertence.

Ramos dos Dorias no Brasil

Há três ramos distintos, que eu saiba. O primeiro é o dos Oliveiras Dorias, de S. Vicente e S. Sebastião, no litoral de SP. Descendem de um certo Jacome Doruje, fidalgo genovês, que foi identificado a Ambrogio Campanaro-Adorno, ou Diogo Adorno. Houve alguma confusão aí com os nomes, de Adorno passaram a Doria. (Troquei várias mensagens com Andrea Dominici-Battelli a respeito; há muita documentação sobre esses irmãos Campanaro-Adorno que se fixam em SP, em Gênova.) Existe uma conexão Doria, um casamento de um ancestral Adorno, antes de, por sua vez, casarem nos Campanaros.

Oliveira Doria, todos descendem desse tronco. E também, pelo que presumo, os Chagas Dorias do Barão de Itaipu, os Escragnolles Dorias — que no império tiveram armas, esquartelado de Doria e Escragnolle, mas sem prova de ascendência — e os Menezes Dorias do Paraná. Estes últimos descendem do capitão Agostinho Lourenço da Silva Doria, natural de Cuiabá, mas de gente que veio de Iguape, na costa de SP. De uma mameluca, Gertrudes, teve um filho nascido em 1830, Tebyriçá da Silva Doria, que na crisma recebeu o nome Luiz Tebyriçá. Foi advogado formado por SP, e casou-se com D. Adelaide Ferreira de Menezes. O filho, João de Menezes Doria, formou-se em medicina pelo Rio, e chegou brevemente a governar o Paraná como chefe dos maragatos em 1892. Depois foi eleito deputado federal.

O segundo ramo é o da moça genovesa Clemenza Doria, que chega na Bahia em começos de 1555. Desse ramo vou falar com calma. E' a gente de papai.

O terceiro ramo tem sangue dos Dorias da Madeira, mas não o nome. Descendem de Hierônimo Dornellas de Menezes, dito “o sesmeiro do Morro de Sant'Anna,” fundador de Porto Alegre. Quando falar da gente de minha mãe, falo dele.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Na Porta de Martim Moniz


Lisboa, março de 2005, o Luis KW, o misterioso Senhor KW (Who Knows?) me leva a visitar o Castelo de S. Jorge. Claro que procurei a Porta de Martim Moniz. Impossível de chegar lá; estava tudo em obras. Uma cerca bloqueava o acesso, e uma policial vigiava o portão da cerca. Foi necessário uma cantada luso-brasileira para que a policial nos deixasse passar. Um minutinho só, duas ou três fotos.

E eis-me junto à Porta de Martim Moniz. Que com certeza não morreu ali, no portal com seu nome. E' tudo história da carochinha: Moninho Osores, seu pai, ainda estava solteiro menos de dez anos antes. Mas é uma bela lenda. (Esse blog está me servindo para dissolver no ar uma porção de belas legendas.)

Mas tudo isso tem um objetivo: desejo que comparem as fotos. Nunca vou ser elegante como Luiz Doria, meu tio.

Meu tio Luiz Moitinho Doria


Era meu tio-avô, irmão caçula de meu avô paterno, vinte anos mais moço. Nasceu em 1891 em São Paulo, e morreu também em São Paulo em junho de 1964, dois anos depois da foto acima, tirada ao lado do Hotel Miramar, na Praia de Copacabana, com sua segunda mulher, uma italiana, Gemma.

Como morava longe — morei toda a infância e adolescência no Rio — nos víamos pouco. Me trazia presentes disparatados: uma vez foi uma bola de futebol, outra vez uma coleção de encíclicas papalinas, com dedicatória e tudo (Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Mater et Magistra). Nessa visita de 1962 convidou uma tarde Dina Maria, minha prima, e eu para um lanche no Ventania, o bar lá no alto do Miramar. Dina Maria tomou cocktail de frutas, e eu uma coca e um misto quente. E Luiz desembestou a falar da família, do avô, José da Costa Doria, da avó, Dona Helena, do pai, Doloque, médico de muito prestígio e político. Mencionou até o bisavô, de quem com certeza não tinha memórias imediatas.

Cheguei em casa e meio no chute, com a ajuda de Jaboatão, do Catálogo Genealógico, montei um pedigree. Quase todo correto. Luiz sabia das coisas velhas da família.

Em 1998, na Bahia, Margô e eu saímos várias vezes com Gustavo, filho de Luiz e xará de papai. Gustavo era gozado, de chapéu de palha e um pouco jeito tipo caricatura de coronel do Recôncavo.

Ninguém vai perder o sono...

...pensando no problema das origens dos Dorias (esse comentário é devido a Clemente Fusero, em seu livro I Doria, que devo à imensa gentileza de Cesare Patrignani). Era uma família já poderosa em começos do século XII, quando organiza uma expedição para conquistar terras na Sardenha — segundo Teresa Luzzatto-Guerrini, na sua monografia também chamada I Doria, o papa Leão IX, † 1054, ter-lhes-ia dado um mandato sobre o julgado de Logudoro na Sardenha, que irão ocupar desde princípios do século XII, e onde fundam a cidade de Alghero.

Os Dorias, ainda, eram com certeza associados ao clã della Volta — as casas dos Dorias ficavam junto às casas dos della Volta, em Gênova, segundo Giovanni Scriba — e muito possivelmente, com aqueles, formavam um albergo.

Uma lenda explica a relação entre os Dorias e os della Volta. Segundo a lenda, um cavaleiro, Arduino de Narbonne, fazia uma peregrinação à Terra Santa, por volta de 1050, quando adoece ao passar por Gênova, e se abriga na casa de uma viúva della Volta, viúva do magnata Corrado della Volta. Sua filha, Oria ou Orietta (ou, em latim, Auria) cuida do peregrino, que se apaixona pela enfermeira e com ela se casa, tendo tido quatro filhos, Pietro, Rubaldo, Ansaldo e Oberto.

O nome da família viria da matriarca: de Auria, d'Oria. Seria, portanto, um matronímico. De fato, há referências aos primeiros Dorias como “illi de Auria,” ou “de filiis Auriae.” Mas há inconsistências na legenda: Corrado della Volta, dito comes, conde, é atestado em 938; ter-se-ia fixado em Gênova em 984. Portanto, poderia ser avô, ou bisavô de uma moça que vivesse em meados do século XI, mas nunca seu pai. Por outro lado, as terras dos Dorias eram junto de Portoria, a Porta Aurea, o portão de Gênova de onde partia a estrada que levava a Roma.

E, enfim, entre os viscondes de Narbonne não há nenhum Arduino. Mas a pista que pode esclarecer o mistério talvez esteja nesse nome. Arduino sugere uma conexão aos Arduinici, a família que tinha feudos estendendo-se do norte de Gênova até Turim. Um desses feudos era o condado de Auriate, e entre os Arduinici dessa linha encontramos personagens de nome Rubaldo e Ansalda, no feminino. Assim, tentativamente sugerimos que o Arduino ancestral dos Dorias seria Arduino, Conde de Canavese, senhor de Auriate, que passa por Gênova cerca de 1050. E é possível que tenha havido uma ligação aos della Volta, já que, como disse, as famílias estão associadas no que parece um albergo primitivo. O matronímico aponta para uma bastardia dos filhos de Arduino e da moça della Volta — mas como nascimentos ilegítimos nunca importaram para a alta nobreza feudal, o poderio da família se explicaria na sua ligação originária a dois grandes clãs, os Arduinici e os della Volta.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Uma carta de Andrea Doria, 1537


A carta acima está nos IANTT, uma fonte maravilhosa e generosíssima nos seus tesouros, e é de Andrea Doria a Carlos V, majestade cesárea. A letra é fluente, itálico de ótima qualidade. Como Colombo, estando a serviço do soberano espanhol, Andrea Doria escrevia-lhe em castelhano. A data, ao pé do texto, 1537: xxix (29) de julho de M.D.xxxbij (1537).

O copyright da imagem pertence aos IANTT.

Dos Azzarolis aos Acciaiolis aos Achiolis e Acciolis

Sou cético, e à medida em que envelheço, fico ainda mais cético. Há vários anos, lendo alguma coletânea de documentos florentinos do século XIV no Muratori, vi as muitas referências aos Azzarolis — que, sabia bem pelo contexto, eram os Acciaiolis. Tomei a grafia Azzaroli como sendo uma corruptela qualquer, sem maior importância. No Catasto de 1428, aparecem já como Acciaiolis.

O mito familiar é: Gugliarello Acciaioli, de uma família de armeiros guelfos de Brescia (lavoratori in acciaio) foge, em 1161, do torrão natal porque escapava a Barbarroxa, e se abriga em Florença, onde compra terras no Val di Pesa e constroi, sobre as ruínas de um castelo abandonado, uma torre conhecida como La Gugliarella. Derrubada depois do século XV, foi o núcleo central de Montegufoni, o castelo dos Acciaiolis — houve outros castelos Acciaioli próximos a Florença, e duas fortalezas hoje desmontadas, uma sobre a acrópole de Corinto, e outra na própria acrópole ateniense, construídas pelos duques de Atenas da família.

E' possível que fossem, no entanto, Azzarolis mesmo, plantadores de acerola e criadores de cordeiros. Enriquecem com o comércio da lã, entram na corporação dos comerciantes de lã, a Arte di Calimala, e, fortuna feita, tornam-se banqueiros e membros da Arte del Cambio. A historinha da origem em armeiros é um mito, ou seria um mito, para ``melhorar'' as origens vilanescas da família. Como os Medici, campônios do Mugello que, enriquecidos, tornam-se em banqueiros e depois em senhores de Florença.

A linha de meu bisavô é:

1. Gugliarello Acciaioli
Segundo a lenda familiar, passa de Brescia a Florença em 1161; inscreve-se na Arte
del Cambio—é banqueiro. C.c. ... Riccomanni. Referido
num documento de 1237. Pais de:

2. Riccomanno Acciaioli
Citado em 1237, casou com uma ...Guidalotti? Pai de:

3. Acciaiolo Acciaioli
Do Sesto di Borgo e do popolo da S.S. Trinità. Entre outros
teve o filho:

4. Lotteringo Acciaioli
Enterrado em frente ao altar-mor da igreja de’ S.S. Apostoli
em Florença. Atestado entre 1260 e 1293; está entre os
que em 1280 assinam a paz intermediada pelo cardeal
Latino. Casou com Bella di Guido Mancini. Pais de:

5. Leone Acciaioli
Do Consiglio de’ Priori em 1311. Pai de:

6. Zanobi Acciaioli
Casou em 1352 com Lena d’Uberto di Lando (Orlando) degli Albizzi.
Pai de:

7. Michele Acciaioli
Dos priores em 1396 e em 1409. Casou com Lisa di Paolo
di Cino de’ Nobili. Tiveram a:

8. Zanobi Acciaioli
Inimigo acérrimo dos Médicis, ao contrário de seus
filhos e demais parentes, esteve em 1433 na balía
que determinou o exílio de Cosimo de' Medici, “il
Vecchio.” Foi prior em 1418 e 1430, e casou com Lia
Lapaccini. Pais de:

9. Benedetto Acciaioli
†1506, prior em 1470, podestà de Civitella (1488). De
Nanna d’Ormanozzo Dati, teve:

10. Zanobi Acciaioli
N. 26.9.1476, e casou com Ginevra Amadori, filha de
Benozzo Amadori, filho de Niccolò Amadori e neto de
Angiolo Amadori, casado com Lucia Acciaioli, irmã de
Neri II, † 1453, e Antonio II, ambos Duques de Atenas. Pais
de:

11. Simone Acciaioli
Simão Achioli, n.c. 1496, †15.2.1544, tronco dos Acciaiolis
e Acciolis no Brasil e em Portugal—passou à Madeira em
1515. Casou com Maria Pimentel Drummond, filha de
Pedro Rodrigues Pimentel e de Izabel Ferreira Drummond.
Tiveram a:

12. Zenóbio Acciaioli
† 20.5.1598. Casou em 19.5.1562 com D. Maria de
Vasconcellos, † 24.9.1621, filha de Duarte Mendes de
Vasconcellos, †1554, dos bons Vasconcellos Alvarengas,
descendentes de Egas Moniz “Aio” e dos Abunazares da
Maia, descendentes idríssidas do Profeta do Islã, e de Joana Rodrigues
Mondragão. Pais de:

13. Gaspar Acciaioli de Vasconcellos
N. e † na Madeira, 1578-4.5.1668. Passou ao Brasil, a
Pernambuco, onde casou em 10.6.1618 com D. Ana
Cavalcanti de Albuquerque, †...3.1674, filha de João
Gomes de Mello e de s.m. Margarida de Albuquerque, e
por esta neta de Filippo Cavalcanti e de Catarina de
Albuquerque. Filho:

14. João Batista Acciaioli
(1623-1677) sargento-mor da comarca de Pernambuco,
e casado com D. Maria de Mello, filha de Manuel Gomes
de Mello e de s.m. D. Adriana de Almeida Lins. (Maria de
Mello fora common-law wife (?) de Kaspar von Neuhof,
gennant Ley — Gaspar Wanderley.) Filha destes:

15. D. Maria Acciaioli
Casou em 1668 com José de Barros Pimentel, filho de
Rodrigo de Barros Pimentel e de s.m. D. Jerônima de
Almeida Lins, a matrona, e n.p. de Antonio de Barros Pimentel, n.c. 1550 em Viana, o primeiro destes no Brasil. José de Barros Pimentel foi capitão-mor e sr. do engenho “do Morro” em Porto Calvo. Pais de:

16. Francisco de Barros Pimentel Acciaioli
N.c. 1680 ou depois; mudou-se para a Vila das Alagoas,
onde foi sr. do engenho “Novo.” Casou com D. Antonia
de Caldas de Moura, filha do sargento-mor da Vila das
Alagoas (1696) Manuel de Chaves Caldas. Francisco de
Barros Pimentel chegou a cel. das ordenanças, e estava
viúvo em 1732. Segue:

17. Inácio Acciaioli de Vasconcellos
Cap. de ordenanças na Vila das Alagoas (c.1725—após 1802), casado com D. Ana da Silveira de
Albuquerque, filha do cap. Antonio de Toledo Machado, da varonia dos Fragosos de Albuquerque. Filho:

18. Inácio Accioli de Vasconcellos
(c.1775,Vila das Alagoas—†antes de 1830), sr. do engenho
“Ingazeiras” em Pilar, casou em 2as. núpcias com D. Margarida Correia
Maciel, irmã do Pe. Manuel Correia Maciel, vereador em
Maceió em 1826 e 1828. Tiveram a:

19. José de Barros Accioli Pimentel
(1820-19.4.1879), n. em Massagueira, perto de Maceió, “pai
da medicina alagoana.” Casou c. 1845 com D. Ana
Carlota de Albuquerque Mello. Pais de:

20. Francisco de Barros e Accioli de Vasconcellos
(N. em 28.9.1846 na Vila das Alagoas e † no Rio em
25.9.1907). Tenente-Coronel honorário do exército (fez
carreira na guerra do Paraguai), foi diretor-geral de terras
e colonização durante o segundo império, e coordenou
a imigração italiana para o Brasil. Casou (1872) com D.
Maria do Carmo do Valle, † 1925, filha de João Maria do
Valle, fidalgo cavaleiro da casa real, e de s.m. D. Antonia
Brandina de Castro Pessoa. C.g.

Botão de Rosa


Alayr Antunes, o Nenho (eu ouvia Neno, mas me diziam que o apelido era Nenho), era o segundo neto mais velho do Coronel Accioli. Médico, foi secretário de educação da prefeitura do Rio, nos tempos do Distrito Federal, e era presidente perpétuo do conselho deliberativo do Fluminense e seu grande benemérito (o que muito me envaidecia, e que eu contava para todo mundo quando, pequeno, ia tomar banho de piscina no Fluminense).

Alayr foi quem me contou, pela primeira vez, as histórias dos Acciolis — ou Acciaiolis, como ele me ensinou, Acciaiolis ou Acciajuolis. (Nunca ouviu o nome da família na forma Azzaroli, pé no chão, distintamente plebéia, campesina.) Me contou o mito familiar estrito, canônico: no século XII, o membro de uma família de armeiros de Brescia foge da sua cidade natal, expulso por Frederico Barbarroxa, grão-inimigo dos guelfos. Fixa-se em Florença, onde faz fortuna, e etc. Mas acredito agora, mesmo, é na historia da azzarola, acerola, e que meus antenati na verdade eram campônios que enriqueceram e viraram banqueiros.

Foi também Alayr quem me contou as histórias do Coronel Accioli, complementando o que já ouvira de papai. O Coronel Accioli — major, com as honras de tenente-coronel — Francisco de Barros e Accioli de Vasconcellos nascera na Vila das Alagoas em 1846, e morreu de um derrame, no Rio, em 1907, quase no dia de seu sexagésimo primeiro aniversário (nasceu em 29 de setembro, e morreu a 25). Deixou os bancos da Escola Central, para onde viera estudar, concluído o ginásio em Alagoas, e alistou-se em 1864 nos Voluntários da Pátria. Foi ferido em combate, e de praça chegou a major, com as honras de tenente-coronel, em 6 de maio de 1870. Foi quem saudou o Conde d'Eu, quando este, o Marechal da Vitória, deixa o teatro da guerra, concluídas as operações militares, em inícios de maio de 1870, morto o López.

Na vida civil foi diretor-geral de terras e colonização, e organizou a imigração italiana para cá, sendo homenageado nas diversas colônias, do Espírito Santo ao Paraná, que têm seu nome, Accioli, Colônia Coronel Accioli. Ao fim do império, segundo me contou Alayr e segundo o registra Alberto Rangel, foi feito Barão de Accioli, mas nunca usou do título.

Casou-se com Nhanhã, Dona Maria do Carmo do Valle, filha de João Maria do Valle, que era comerciante na praça do Rio, e fidalgo cavaleiro da casa real portuguesa, e de Dona Antonia Brandina de Castro Pessoa. Depois falo mais deles. Tiveram cinco filhos: Quintilla, Lucilla, Inesilla (minha avó), Filenilla e Altamir, ou Chico.

Morava em frente ao Palácio Guanabara, então Palácio Izabel, numa casa assobradada, casa esta já demolida hoje. Como tudo no Rio.

Alayr chamava-o Botão de Rosa, porque era lourão, vermelhão, de olhos azuis. Quem muito se parecia com ele era seu sobrinho-neto, o historiador Roberto Bandeira Accioli, meu primo e grande amigo. Ao Coronel Accioli devo um sobrenome, Accioli, e o prenome, Francisco. A história desse prenome entre os Acciolis e Acciaiolis vem de longe, desde o século XIII. Depois conto.

(Na foto, que me pertence, de 1889, Botão de Rosa e Nhanhã.)

O parentesco às netas da Mona Lisa

As netas da Mona Lisa são Natalia e Irene Strozzi. Ou melhor, Donna Natalia e Donna Irene Guicciardini-Strozzi, filhas de sua excelência Don Girolamo Guicciardini-Strozzi Majorca Renzi, Príncipe de Forano. Descendem de Piero Guicciardini, que em 1395 casa-se com Laudomia, † 1397, filha de Donato Acciaioli, barão de Cassano, e de Onesta Strozzi. Este, o parentesco.

Presumo fosse Girolamo aquele a quem Marisa Dalla Chiara desejava me apresentar em 1992, quando fui a Florença fazer uma palestra. Lontanissimo cugino...

Longtemps je me suis couché de bonne heure

Quase sempre deitávamos cedo, os netos. Tia Neta nos distribuía pelos quartos do segundo e do terceiro andar da Casa da Vovó, e apagava as luzes. Dormíamos compulsoriamente; porque era melhor dormir do que ficar vendo os fantasmas que surgiam nas dobras das sombras daqueles quartos imensos e cheios de cantos. E de manhã cedo, bem cedo, sete ou oito horas, a governanta de Tia Neta nos levava para a praia.

De vez em quando, quando a casa estava cheia, um de nós cedia o quarto e a cama e dormia no escritório de Vovô. Você já dormiu num escritório? Cheio de livros até o teto, e com cheiro de livro, de papel de livro, de papel de anotações, crescendo cada vez mais durante a noite? E vendo o pinheiro balançando do lado de fora da janela, e espalhando sombras, muitas sombras, sombras e fantasmas por todo o escritório?

A casa de meus avós maternos em Copacabana era uma casa imensa, normanda, com três andares, cercada de jardins e com uma horta, um poço, um galinheiro e um tanque de patos bem lá dentro, no fundo do terreno. Muitas árvores e muitas sombras. De manhã, a governanta de Tia Neta nos levava á praia, no Posto Seis, mas a casa, com o terreno à volta coberto de areia fina, e ancinhado todos os dias pelo Oswaldo, o jardineiro, como num jardim japonês, já era uma espécie de continuação da praia.

A casa era como os sobrados das cidades que Gilberto Freyre descreveu, embora fosse das novas; datava do começo do século XX. Tinha sido construída por um alemão, e por qualquer motivo que nunca entendemos bem, possuía uma estátua de Buda na cumeeira, um Buda bem indiano, não um Buda japonês. Para todos nós, os netos, era a Casa da Vovó. Com certeza a figura mais forte, na família, era meu avô, Justo de Moraes, advogado muito famoso e que havia recusado duas vezes uma cadeira no Supremo. Mas dentro da casa a presença dominante era a de minha avó, muito alta, matrona, com os dois fios de pérolas no pescoço que usava sempre ao sair, de manhã, de seus apartamentos particulares — porque a Casa da Vovó era imensa, e meus avós governavam a casa e a família a partir de um núcleo central, os seus apartamentos no coração da casa.

Vivíamos entre as sombras e os mortos. Os mortos mais próximos estavam nos retratos e nas estátuas: o busto do bisavô marechal e ministro, o retrato do tio avoengo, presidente da república, Prudente de Moraes, Prudente o Velho, como mamãe falava, para que a gente não o confundisse — como se a gente fosse confundir alguém com o Prudente o Velho — com o Neco, o primo, outro Prudente, neto de Prudente o Velho, jornalista, amigo de tudo quanto é sambista da Lapa. Neco usava óculos ray-ban e andava de terno branco, terno de linho, terno de malandro, mesmo. Depois, quando ia envelhecendo, foi-se assumindo mais como o neto de Prudente o Velho. Passou a usar terno escuro e chapéu gelot, e era assim que dirigia a redação no Rio do Estadão, sempre na Lapa. E suspensórios, sempre, no tempo do terno de linho branco e depois no tempo do terno escuro.

Os fantasmas distantes surgiam quando Tia Neta, que era uma espécie de mãe coletiva para todos os netos, nos punha na cama e dizia, ``ou vocês ficam quietos ou a princesa da Armênia vem de noite assombrar vocês e puxar os pés de vocês.'' Sabíamos que a tal princesa da Armênia era uma ancestral semi-totêmica, inominada, terrível, mas só muito tempo depois descobri que nos chegava, através de Tia Neta, uma narrativa arcaicíssima, tão velha quanto a história da Dama do Pé de Cabra, ou a lenda de D. Ramiro e a moura Zaira, a Miragaia, que Alexandre Herculano publicou.

Minha memória, rigorosa, concreta, começa em 45, no domingo de primavera em que nasci. Mas não só. Porque minha memória se estende pelas memórias de papai e mamãe, que nasceram no começo da segunda década do século. Passa além; vai pelas memórias de Vuvu, o avô paterno, e do velho Justo, o avô materno — e cresce no espaço e no tempo; chega a Sergipe, na segunda metade do século XIX, e ao Rio Grande do Sul e a São Paulo, quase á mesma época.

Expande-se ainda, muito mais, pela memória dos tios-avós. Chega a Doloque, o bisavô (e com este visita pela primeira vez o Recôncavo, na Bahia). Junta-se a Botão de Rosa, o louro e vermelhão coronel Accioli de Vasconcellos que veio da Vila das Alagoas; atinge São Paulo com o general Mendes de Moraes, irascível; e Gênova, antes de lá chegar com os Dorias, com o babbo Vittorio Emmanuele Cresta. E assim, agora, alcança o começo do século XIX.

Minha memória pessoal cobre dois séculos, quase, e se espraia em lugares onde nunca estive. Viva, precisa, nítida. Que é a memória?

A memória, minha memória, minha memória pessoal, minha memória que se espraia nos espaços e nos tempos — é uma ilusão num jogo de poder.

(Desculpem este intermezzo, que preciso fazer neste momento. Sem a memória familiar não se estabelecem oligarquias, e nem se afirmam elites dominantes sobre uma vasta classe subalterna. A memória, a ilusão da memória que se expande além do indivíduo, permite que se reúnam, se unifiquem, dentro da classe dominante, os atores sociais que a compõem.

Há vários modelos para a estrutura social. O que nos interessa, que reconhecemos na nossa formação social, é um modelo com dois polos e um elemento externo, perturbador. Faço um esquema: existe uma dualidade essencial, a colusão, a cooperação entre a classe dominante (a ``elite,'' a ``oligarquia'') e a classe subalterna. Sim, antes uma colusão do que um conflito, enfatizo. E a relação que une um e outro é a relação feudal, de clientela.

O elemento perturbador é a classe média. E quanto maior a classe média, menor o acordo entre dominadores e dominados, patrões e clientela.

Elementos que constituem as classes? Os atores sociais. Algumas vezes, indivíduos. Muitas outras vezes, grupos institucionalizados. Como os Moraes de meu avô materno, que se olham como se fossem uma unidade, um ser amorfo do qual cada um de nós é uma célula.

Mas, no fundo, essa mini-teorização não tem a menor importância para o que estou querendo dizer aqui. Aqui, desejo planar pela minha memória; e só.)

Rio, 1993, Zona Oeste, lá perto de Campo Grande, conjunto habitacional `popular' típico, digamos, no Jardim Sulacap. Este conjunto será o `curral eleitoral,' sempre, de um vereador, de um deputado estadual. Os votos dos eleitores neste conjunto serão sempre administrados por alguns cabos eleitorais, que (fora do período das eleições) em geral servem como síndicos locais, ou como diretores das associações comunitárias do bairro. São os canais do enfeudamento local.

A elite dominante são o deputado, o vereador, que controlam, politicamente, o tal conjunto. Os dominados, os moradores do conjunto habitacional. A colusão: o deputado e o vereador fazem, através dos cabos eleitorais, a política de `bica d'água,' e recebem em troca o voto e a eleição.

A relação é de clientela, pois o que o político oferece aos moradores do conjunto é visto como benesse e não como direito. O remédio, a assistência médica, a matrícula no colégio do bairro — nada disso aparece, ao morador do conjunto, como um direito; é concessão, benefício, privilégio precário.

Aqui, os atores sociais, na classe dominante local, se individualizam; são o vereador, o deputado. Na classe subalterna, um todo amorfo, com dois ou três picos mais nítidos, os xerifes que servem de intermediários — de mediadores — entre os políticos e os moradores do conjunto habitacional.

Numa favela, a situação é análoga: o xerife da favela é o traficante, hoje em dia doublé de cabo eleitoral na informalidade, quase sempre. O morador da favela não paga impostos, que os políticos ou ``esquecem'' de cobrar ou, explicitamente, não cobram ``por motivos sociais.'' Assim, todo relacionamento com o morador da favela será sempre uma troca de benesses por votos, uma troca de pequenos privilégios pelo assento no legislativo. Onde estão o poder e os privilégios de fato.

A família de papai, distante sempre, tinha um lado sombrio e um lado silencioso. Sombra e silêncio, sem luzes, claridade. E sem nitidez. Sombras desenhavam a casa de Tia Boa, Dona Sinhazinha, tia-avó paterna. Casa mais escura ainda que a casa dos avós maternos; casa de cenho franzido. Hierática. Eram os Acciolis, ou, como eles gostavam (e gostam) de se fazer lembrar, os Acciaiolis, geneticamente predispostos à depressão e às doenças do coração, frágeis, fechados e alucinados dentro de sua memória familiar que havia sido trazida com grande precisão de Florença através de Alagoas até mim. Quase todos conheciam muito da história da família, e dois ou três eram capazes de enumerar, de cor, cinco ou seis gerações contínuas da família, em todas as suas ramificações, como alguns personagens de Henry James. Isso mesmo, Henry James; eram uma gente europeizada, déracinée. Viviam a memória congelada, explícita, de uma gente carrancuda, triste.

Florença, dezembro de 1992, sábado às cinco horas, já anoitecendo. Cruzamos, debaixo da chuvinha fina e depois de algumas cervejas, Décio e eu, a piazzetta del Purgatorio, no borgo de' S.S. Apostoli, e depois de passarmos junto de uma butique de roupas de mulher, toda iluminada, cheia de roupas tesudas e super-caras, chegamos à igreja que fica grudada na butique, a chiesa de' S.S. Apostoli. Românica, data do século XI. A missa ainda não começou, e o monsignore termina um rosário num dos altares laterais. Assisto de má vontade à missa no primeiro banco. Na minha frente, na frente do altar-mor, uma lápide do século XVI, cobrindo ossos do século XIII. Messer Leone de' Signori, Lotteringo degli Acciaioli, messer Zanobi Acciaioli, enterrados aqui. Do partido guelfo, da Parte Guelfa, priores, gonfaloneiros. Se forem verdadeiras as quase delirantes genealogias, genealogias de gente de romance de capa e espada, de Michel Zevaco ou Sandokan, as genealogias que Pompeo Litta e o conde della Berardenga publicaram, e se as mulheres lhes tiverem sido fiéis — uma delas de fascinante nome, nome
inquietador, Bella di Guido Malabocca dei Mancini — são antenati diretos meus. Depois da missa o monsignore, sorriso de padre afivelado na cara, vem falar comigo. Fala que ainda existem membros das velhas famílias em Florença, Strozzi, Buondelmonti, Tornabuoni. Uma velhinha dos Buondelmonti mora perto, num pequeno apartamento no antigo palazzo Buondelmonti, e frequenta a igreja. Pergunto, ``Tuttora fiorenti, i Buondelmonti?'' Não, não florescem mais. Só a velhinha. Um príncipe Strozzi, meio arruinado; na universidade, um filósofo, Guicciardini, que procuram para me apresentar. Ouço o monsignore e então abaixo os olhos para a minha pele mulata, cafusa, diante da sepultura de Leone de' Signori degli Acciaioli, enterrado ali há sete séculos, no escuro da igreja, no inverno de Florença.

Saímos da piazzetta del Purgatorio e, numa porta aberta no térreo do Palazzo Acciaioli, hoje dividido em apartamentos, achamos um restaurante onde comemos uma bistecca alla fiorentina. Bifão grelhado, coberto de ervas de cheiro e pingado com azeite toscano extra-virgem, doce de tão cheiroso.

Florença, século XII. O núcleo urbano cresce em torno das case torri e das consorterie de nobres. A cidade nascera do campo, do contado, onde o poder era a nobreza feudal, desde as famílias que remontavam aos antigos marqueses lombardos senhores da Toscana durante o século X, como os Alberti (ah, fascinantes Alberti, que passam no século XV à França, e originam aquele herói de capa e espada, Charles d'Albert de Luynes, capitão da guarda de Luiz XIII e seu favorito, e inimigo de Concino Concini e da Galigaï...) até parvenus que se fazem em senhores feudais, como os Amidei, os Tornaquinci e os Cavalcanti; e mesmo os Acciaiolis, tardiamente, quando conquistam seu feudo na Grécia, o ducado de Atenas, no fim do século XIV. No campo, os grandes e pequenos nobres se encerram em torres e castelos, cercados de aldeamentos e vilões. A cidade atrai: ainda em seus começos é rica, e cria dinheiro com o comércio. E a nobreza tenta refazer, no espaço urbano, a estrutura social que havia desenhado nos campos. Ao centro de grupamentos de casas, as torres, as case torri, com loggias para o comércio no primeiro andar. A casa torre central pertencia ao grupo familiar dominante na consorteria, e à sua volta as casas menores eram ocupadas pelas famílias clientes.

Neste micro-universo da consorteria percebemos a dualidade básica, fazendo a simbiose do dominador — a família central — e do dominado, os clientes. No espaço maior, a cidade, vemos as consorterie agrupadas como uma classe dominante urbana, cujo poder político se exerce, no século XII, através dos cônsules da nobreza. Os excluídos neste jogo, embora habitem o espaço urbano, formam os dominados, a classe subalterna, camponeses que marginam a cidade, pequenos comerciantes e artesãos, ainda não coligados nas Arti. Os atores são, agora, bem nítidos: as consorterie, na classe dominante, e as corporações que nascem aos poucos, na classe subalterna.

A burguesia florentina nasce, cria-se no século XII. Conta a lenda (ou a memória perdida que nos trazem Litta e della Berardenga) que certo Gugliarello Acciaioli, natural de Brescia e comerciante de aços finos, armeiro em Bérgamo, chega a Florença em 1160 com grande capital. Não pode comprar casas dentro dos muros da cidade, e assim sendo compra-as imediatamente do lado de fora, no quarteirão que está hoje limitado pelos Uffizi, pelo Palazzo di Parte Guelfa, pelo Borgo de' S.S. Apostoli e pelo cais onde vemos seu nome, o Lungarno Acciaioli. Um neto, Leone de' Signori, o que está enterrado na chiesa de' S.S. Apostoli, ainda levanta uma casa-torre, e o próprio ancestral imigrante ainda compra, no contado, as ruínas de um castelo arrasado algumas décadas antes pela nobreza da cidade, face ao brigandismo de seus senhores. Fica no morro dos corujões, Monte Guffoni, e ainda está lá — virou hoje hospedaria para turista americano rico. Mas este imigrante bergamasco não é nobre; é um mascate, financista, guelfo, logo feito membro da Arte del Cambio e da Arte di Calimala, as corporações dos cambistas, dos banqueiros, e dos mercadores de lã.

É um símbolo: para nós, representa a classe média que nasce neste século XII, e que não pertence nem aos dominantes da nobreza, nem aos que a esta se sujeitam. A burguesia, a middle class da história social européia, o tiers état.

A classe média é sempre urbana. E se opõe á nobreza e aos que vivem simbioticamente, ainda que sem conforto, subordinados aos nobres. A classe média é uma novação, é uma intrusão.

A estrutura social é estável, mas seus membros circulam do espaço abstrato dos grupos sociais. No século XIV o grande Niccolò Acciaioli, guapo ragazzo, torna-se amante da rainha Giovanna de Nápoles, e reina sobre o sul da Itália, fazendo e desfazendo (ou mandando assassinar) os reis apenas em nome, casados com Giovanna. No século XV Neri e Antonio Acciaioli firmam-se príncipes soberanos e déspotas na Ática, duques de Atenas, onde, no século XIII, um ancestral já distante (e de nome grego, Dardanno) havia criado uma filial do banco familiar. Mercadores sempre; e príncipes ás vezes. (O último dos duques de Atenas, catamito de Maomé II, é estrangulado após um festim por janízaros do grão-turco em 1460.) Classe dominante, não mais classe média.

Vila das Alagoas, começos do século XVIII. O principal senhor de engenho local, senhor do engenho Novo das Alagoas, com invocação devocional a Nossa Senhora do Rosário, é o coronel Francisco de Barros Pimentel Acciaioli, filho herdeiro de José de Barros Pimentel, que lutara contra os belgas em Guararapes, e de Maria Acciaioli. É um benemérito; entre tantos outros senhores de engenhos do norte e do centro da terra das Alagoas, vemos o coronel Francisco de Barros doar parte de suas terras a uma ordem religiosa para que lá se construa um hospital votado aos pobres e carentes.

É um oligarca. Dele descendem inúmeros ministros do Supremo Tribunal de Justiça, um século depois, no império: José Inácio Accioli de Vasconcellos, Luiz Correia Accioli de Brito, Joaquim Marcelino de Brito, Sancho de Barros Pimentel. Ou pertencem ao clã, através de casamentos, mais outros ministros e desembargadores, o barão de Pereira Franco, Cerqueira e Silva, Inácio Accioli de Vasconcellos, também constituinte em 1823. E mais deputados provinciais e gerais, oficiais superiores das ordenanças e de tropas de linha, e até dois intelectuais, um teatrólogo e poeta, e um historiador, o cronista da Bahia, Inácio Accioli de Cerqueira e Silva, autor das Memórias Históricas.

A família extensa, a família cognática, horizontal, é um ator individualizado dentro da classe dominante. Cumpre seu ciclo de dois séculos no poder e se esbate, agora, aos poucos. Mas já vemos o poder que desaparece muito devagar, como no Le Roi se Meurt, de Ionesco, no filho primeiro do coronel Francisco de Barros Pimentel. Reforma-se, com mais de setenta anos, em 1802, capitão das ordenanças da Vila das Alagoas. Ainda se assina: Ignacio Acciaioli de Vasconcellos (decerto não sabe escrever direito Acciaioli, e assina, Axaioles, Axioules — mas vale como un vero Acciaioli). Casa-se com uma descendente dos Fragosos - Fregosi? Campofregosi? - de Albuquerque. O primogênito de seus filhos, senhor de rico engenho que lhe vem da mulher, uma Casado Lima, gente adventícia mas próspera, tem o nome do bisavô: José de Barros Pimentel. E' pai do constituinte de 1823, Inácio Accioli de Vasconcellos, e avô do historiador — outro Inácio, Inácio Accioli de Cerqueira e Silva. Meu tetravô, filho caçula do capitão Inácio Acciaioli, sai da Vila das Alagoas e vai para Atalaia e se fixa nas terras do cunhado, padre e vereador na Vila das Alagoas, Manuel Correia Maciel. E' outro Inácio Accioli de Vasconcellos, senhor do engenho das Ingazeiras. (Pedi recentemente a uma boa amiga, Inês, boa nordestina, um pé de ingazeira para plantar no jardim. Como tenho aqui amoreiras lembrando os Moraes de mamãe, e os Moreiras que dão a agnação de papai.)

Obsessivos Inácios: um primo, neto do coronel Francisco de Barros Pimentel, é o marechal de campo José Ignacio Acciaiuoli de Vasconcellos Brandão — escreve corretamente, Acciaiuoli, à maneira romana — mas apesar da patente e do sobrenome neo-barroco, é um comerciante, sócio de Felisberto Caldeira Brant, sim, o Barbacena. Um episódio quase conspiratório na sua vida: em maio de 1806 aparece, de repente, em Salvador, uma esquadra francesa trazendo a bordo Jerônimo Bonaparte, irmão do Corso. Hospeda-se Jerônimo em casa do marechal Acciaiuoli de Vasconcellos. Imagino, fantasio; seria um negociador secreto entre o príncipe regente D. João e o Corso? Outro personagem de capa e espada nessa família, já tardio?

Porque por essa mesma época morre em Veneza, longe de seu castelo do morro dos corujões, Monte Guffoni, o último dos Acciaiolis florentinos, Nicola Diacinto Acciaioli de Vasconcellos. Dele diz Litta: cervello molto bizzarro, amante del bel sesso più che non conveniva...

Todos vão empobrecendo. O filho de Inácio Accioli de Vasconcellos, senhor das Ingazeiras, é médico. José de Barros Accioli Pimentel, capitão, casado com Dona Ana Carlota de Albuquerque e Mello. Meu bisavô, seu filho, terá patente do exército, não mais das ordenanças: o major, com as honras de coronel, Francisco de Barros e Accioli de Vasconcellos. Luta na guerra do Paraguai, é ferido, escolhem-no para saudar o consorte, o Conde d'Eu, quando este deixa o teatro da guerra em 6 de Maio de 1870, logo depois da morte do López. Vira burocrata, interessa-se pela telegrafia, que ajuda a implantar no Brasil, e organiza a a grande imigração italiana para cá. Me contava meu primo Alayr, seu neto, que recebera o título de barão de Accioli no finzinho do império. De fato, assim o chama Alberto Rangel, no catálogo da Coleção do Castelo d'Eu. Nunca usou o título, com certeza; foi um barão ``in pectore.'' Me deixou o prenome, Francisco, prenome que lhe vinha nos Acciaiolis, desde o século XIII, na Toscana. Prenome quase herança do Taumaturgo, do quase hereje, de Assis.

A família de Vuvu, Raul Moitinho da Costa Doria, o avô paterno, era apenas o silêncio. Todos tinham a mesma cara; a gente reconhecia quem era Doria á distância. Distância: a marca de todos. No primeiro contato, alegres ingenuamente, brincando sempre; mas as figuras desse lado da família eram apagadas, desfocadas. Nunca se revelavam, e para mim só se mostraram de forma indireta, em papéis de arquivo. Mesmo papai, não só jornalista; havia sido designer, aquarelista marcado pelo Art déco. Mas só o conheci assim depois, mediado pelos papéis velhos.

(Papai morrendo no hospital, afogando-se num edema pulmonar. O médico me mandou passar a noite ao lado dele, falando com ele o tempo todo, para que ele não dormisse. Se dormisse, morria. Conversamos. Falei que estava lendo Sodome et Gomorrhe, e falei da festa do príncipe de Guermantes. E papai me responde entre estertores e borborigmos, mas sem interrupção, contínuo, com as festas na embaixada da Itália, em Laranjeiras, no Rio, e com a fila da entrada, e os convidados sendo anunciados. Na festa dos Guermantes, o narrador se vê anunciado após dois príncipes do sangue. Papai e Tio Agostinho anunciados, na festa de Laranjeiras, depois do Alliata di Montereale, que era príncipe também, dito primo do rei da Itália. Mas que valia mesmo porque era genro do Matarazzo. Papai sobreviveu àquela noite.)

O bisavô Doloque, Diocleciano da Costa Doria, era um suburbano da província, segundo seus netos. Nada disso: médico, colega de turma da mais azeda, mais dura aristocracia baiana, os Araújo Goes, Borges de Barros, Tourinhos, Calmons, político militante do Partido Liberal, deputado provincial em Sergipe no tempo do império. Vuvu, cujo corpo eu escalava toda tarde, quando ele fazia a sesta no quarto que seria meu quarto depois de sua morte, era um coronelão sergipano, com acesso direto aos presidentes nordestinos da primeira república.

Tinha os Dorias ricos e os Dorias pobres. Doria dos pobres era Manuel Doria. Rábula, passa a vida em Estância, Sergipe, cheio de filhos. Só bem idoso vem para o Rio. Manuel Mendes da Costa Doria, irmão mais velho de Doloque. Velhinho, vivia em Niterói. Vejo o retrato de Manuel Doria, quase oitenta anos, cercado pelos netos e sobrinhos-netos, Manuel Doria de barbas brancas muito grandes mas bem penteadas, sentado na cadeira de balanço — das de mola, das bem velhinhas, velhinha, combinando com a velhice de Manuel Doria. Sentado no seu pé, Tatá, Antonio Adolpho, irmão mais velho de papai, com sete ou oito anos. Papai não era nascido. Ao fundo, cara de gozador, Vuvu, Raul, meu avô, de bigodinho e terno branco. Pobre, Manuel Doria; mas depois descubro que ``Doria pobre'' e ``Doria rico'' é uma divisão simbólica, ou mesmo ideológica, dentro da família. Pobreza, no caso de Manuel Doria, muito relativa: pois morava numa casa enorme, clara, cercada de jardins. Doria rico e Doria pobre era como a divisão de uma gens romana em alas patrícia e plebéia. Como os Claudii, e seu lado dito popular, os Clodii — e lembro Catulo, uiuamus mea Clodia, atque amemus/.../da mihi basia mille, deinde mille/ e assim em diante.

Manuel Doria, da parte popolana da família. Mas herdeiro de quantos mais outros Manueis Dorias? O primeiro, Manuel de Sá Doria, foi sesmeiro em Itaparica junto do irmão, Francisco de Abreu da Costa Doria, no século XVII. O segundo Manuel de Sá Doria, quando nasce, é levado à pia pelo tio-avô, o padre Antonio Vieira. (Estamos em 1676.) Deixou um testamento onde fala, no começo do século XVIII, sobre todas as arcaicíssimas mitologias da família. O terceiro, capitão das ordenanças, Manuel da Rocha Doria, morre em 1753 deixando como herança menos de um conto de reis aos sete filhos. Nos fundos do Recôncavo: faço as contas e hesito: é meu sexto ou sétimo avô? Confiro, sexto avô. Oito gerações de mim para trás. O tetravô, mais outro Manuel Doria, Manuel Joaquim da Costa Doria, boiadeiro que vende em começos do século XIX o engenho da família e se muda para Santo Amaro. Boiadeiro. Manuel Doria, Manuel Mendes da Costa Doria, o de barbas imensas do retrato, é seu neto. Está calado no retrato. Silencioso e sério.

Estou no retrato. Sei que tenho que estar, pois minha memória vai lá; mas claro que não posso estar no retrato, nesse retrato, ao lado de Manuel Doria. Foi em 1907, 1908. Mas sei que estou no retrato, e sei que lá não estou.

Todos os documentos estão aí, disponíveis, desde o século XVI. O Brasil nasce com os sesmeiros que receberam as terras dos donatários, uns poucos, e dos governadores gerais e de seus prepostos. Em 1560, ou pouco antes, não sabemos ao certo, chegam ao Brasil, a Pernambuco, dois primos, Sebald Linz von Dorndorf e Christoph Linz. São de Augsburg, mas viveram bom tempo em Portugal, onde até deixam família. São prepostos do banco Fugger, de Augsburg, interessado, a oeste da América, no ouro do El Dorado, e a leste, no dinheiro novo do comércio do açúcar, mal se iniciando em Pernambuco (porque mal iniciado na ilha da Madeira, onde o primeiro engenho datava de antes de 1450). Recebem imensa data de terras ao norte das Alagoas, onde fundam Porto Calvo. São comerciantes prósperos. Mittelklasse. No Brasil, fundam um feudo e uma oligarquia, os Lins e Wanderleys de Serinhaém e do Rio Formoso.

A oligarquia, núcleo da classe dominante brasileira, nasce nesse tipo de gente. Da criação dos governadores, ou de seu serviço, têm privilégios e preferências na distribuição de cargos, e primazia no prêmio das terras sendo distribuídas. E cargos e terras tornam-se, informalmente, hereditários nessa gente. Como a alcaidaria-mor da Vila Velha, e depois de Salvador, que de Antonio de Oliveira Carvalhal passa aos Monizes Barretos, dos quais o primeiro alcaide é genro do almirante Antonio de Oliveira, e chega nestes Monizes até fins do século XVII. Ou como o grande senhorio da Ponte, que inclui as terras de Jacobina à serra do Sincorá, e que é herdado, no século XVIII, pela bastarda mameluca, Dona Joana da Silva Caldeira Pimentel Guedes de Brito, mulher de fidalgos portugueses, o filho da condessa de Coculim e o Saldanha que gera os condes da Ponte.

Doam-se terras, na aurora da colonização, a qualquer pretexto aqui no Brasil. A carreira das Índias é custosa e às vezes fatal. Morre num combate em Goa D. João de Eça, capitão da cidade indiana, herdeiro de Pedro, o Cru e de Inês de Castro, a Colo de Garça. Deixa uma bastarda, D. Violante de Eça. Morrem nas Índias Baltazar e Belchior Lobo de Sousa, filhos do barão de Alvito. Deixam mais órfãos. Morre num naufrágio nas costas da África o genovês Lorenzo Doria, mercador, capitão de mar e guerra a serviço da dinastia de Aviz. Deixa uma órfã, Clemenza Doria.

Mentira, fantasia: a coisa é mais crua e mais bruta, pois o mítico Lourenço Doria genovês, navegante que morre num naufrágio nas costas africanas nunca existiu; é na realidade um comerciante riquíssimo, credor do rei de Portugal. Nem se chamava Lourenço, e morreu na cama, em casa, em Gênova. Era só um mercador rico, um banqueiro, rico e apagado. Aleramo Doria, o nome do fabuloso Lourenço. Aleramo herdeiro do avô, o plutocrata Luigi Centurione, que manda Cristóvão Colombo à Madeira em 1480 — e aí começa tudo. Aleramo, Laramo, Loramo: algum copista português lê seu nome estranhíssimo, memória — mais memória, sempre memória — sempre perdida dos arcaicos marqueses Aleramici da Ligúria, dos começos da Idade Média — e lê Aleramo, Laramo, Loramo, como Lourenço, e assim o escreve, errado, nos papéis das provanças de um trineto padre. E sua filha Clemenza também não é órfã: é criada da rainha; em maiúsculas, Criada da Rainha D. Catarina, sempre em maiúsculas porque assim mencionada com destaque na papelada quinhentista. Chama-se Clemenza, como várias outras parentas de séculos para trás, uma delas descendente do notório Branca Doria, assassino à traição do sogro, também antepassado do pacato Aleramo, o mesmo Branca Doria que Dante joga nos fundões do inferno. Senhores feudais na Sardenha, os antecessores de Aleramo. Depois, senhores de um feudo a oeste de Gênova, em Oneglia. O feudo se reparte entre os herdeiros, e co-senhores, e os há muitos. Muita gente vivendo em cima da mesma herança não dá certo; e os co-senhores vão vendendo suas partes no senhorio e vão se tornando em comerciantes e voltando a Gênova, ao núcleo urbano de onde partiram, ao borghetto dos Dorias na piazza San Matteo. Enriquecem; casam bem, isto é, com gente mais rica ainda. A herança de Luigi Centurione leva esse povo todo para Portugal, onde Aleramo, pai de Clemenza, empresta dinheiro a D. João III. Capitalismo de verdade. Clara burguesia de livro-texto. Exemplo da ação do capitalismo financeiro. Mais claro do que isso, só indo catar exemplo em Marx. Ou assistindo ao filme de Pontecorvo, com Marlon Brando, Queimada, aula prática de marxismo.

Tem também um lado capa-e-espada nessa gente bruta e violenta. Bruta e violenta: Branca é: garra. Lamba, nome do almirante que vence os venezianos comandados por Dandolo, e o próprio Dandolo, em Curzola, e que captura Marco Polo, tudo em 1298: lama, lâmina. Um dia descubro, num sebo virtual, um romance de aventuras, isso mesmo, estilo Zevaco: Baton Sinister, de Carl Spinatelli. Conta sobre um Doria bastardo, Marco Doria, contemporâneo do grande Andrea, e de suas aventuras entre Gênova e a Tunísia. Com happy end e tudo. Livro usado, pocket book, pulp fiction, mando vir; divertido. A moça com quem troco e-mails me pergunta, você é parente desse Marco Doria? Bom, tem uns Marcos no pedigree, mas esse, infelizmente nunca existiu. Mas bem que seria gostoso ter um antepassado herói de romance barato.

São sete, oito moças nobres que se remetem para o Brasil entre 1550 e 1560, com dotes na forma de cargos públicos, perpetuados na descendência, e acrescidos de sesmarias que se transformam em engenhos de açúcar e que garantem a seus proprietários patentes altas nas ordenanças e cargos na administração local, vereanças, provedorias. Tudo se enfeixando nuns poucos núcleos familiares. Uma delas Clemenza Doria, a filha do banqueiro Aleramo. Seu dote para o futuro marido (que serão dois), o cargo de contador-mor das terras do Brasil. Além de 35 contos em alfaias e roupas, separadas pessoalmente pela rainha D. Catarina em dezembro de 1554, ao despachar Clemenza, a genovesa, e Catarina dita ``da Cruz,'' a Lobo de Almeida, para o Brasil.

Papai falava: ``Meu tio Tunico dizia, o nome da família era Mendonça, e puseram Doria porque era mais bonito.'' Nesta frase surgem, quase indistintas, figuras que tornei precisas e nítidas muito depois, reconhecendo-as em documentos e inventários: Gonçalo Barbosa de Mendonça, capitão de ordenanças — como todos, quase; o sexto avô, que morre em 1737. E seu pai, Martim Afonso de Mendonça, o sétimo avô, senhor de engenho, fidalgo da casa real, irmão da Santa Casa da Misericórdia de Salvador em 1672. E filho primogênito de Dona Antonia de Meneses, que era filha de Cristóvão da Costa Doria e de Maria de Meneses, e neta de Clemenza Doria e de seu marido, o arruaceiro Fernão Vaz da Costa, dito parente do governador D. Duarte — não sei se o era — de quem tanto se queixava, do tio e do sobrinho, o bispo Sardinha, até passar, em 1556, a ícone da história da terra.

(Fernão Vaz nascera pouco depois de 1520. Era filho do Dr. Cristóvão da Costa, reitor da universidade em 1526 e depois chanceler da relação de Lisboa, e de Guiomar Caminha, que tomou por mulher em 1520, filha do desembargador Fernão Vaz de Caminha; neto do alcaide-mor de Lagos — que, em 1492, era Afonso da Costa, filho de Soeiro da Costa, navegante, um dos Doze de Inglaterra; mais gente de capa e espada...)

Mitemas familiares; sombras.

O silêncio dos Dorias, só vim a descobrir muito depois, era o rancor, a mágoa e a vergonha pela súbita perda de bens, pobreza — perda de status, poder — que os forçara a emigrar do Recôncavo para Itapicuru e depois para Sergipe. Em 1809 morre, sessenta e nove anos, Cristóvão da Costa Barbosa, filho de Gonçalo Barbosa e neto de Martim Afonso de Mendonça, e casado com a prima Dona Antonia Luiza de Vasconcellos Doria, sobrinha muito longe da mulher de Colombo, Filipa Muniz, e herdeira de muitos e muitos mitos e lendas da família. Analfabeta, Dona Antonia Luiza. Assina em cruz um recibo, sobre seu
nome, que uma das filhas escreveu. O engenho da família, em São Gonçalo do Amarante, junto de Santo Amaro, é o engenho Ladeira. Engenho de fogo morto; engenhoca moendo, em começos do século XIX, farinha de mandioca.

À morte de Cristóvão segue-se mais um drama, ou, dependendo do ponto de vista e da distância, historieta de vaudeville. Não tenho certeza; mas descobri uns papéis, letra do escrivão que fez-lhe o inventário, Vasco de Brito e Sousa, onde se conta um caso de amoricos entre a senhora, já idosa, do engenho Ladeira (mas o nome da senhora nunca aparece), e um capataz da fazenda. Os herdeiros protestam, litigam.

De qualquer modo, Dona Antonia Luiza de Vasconcellos Doria, filha do coronel Manuel da Rocha Doria e de Dona Ana Maria de Jesus e Vasconcellos, morre em 1825, e deixa ao filho que é meu tetravô, Manuel Joaquim da Costa Doria, umas canastras, duas ou três cabeças de gado, e alimárias. Vai ser mascate na vida, filho; vai ser boiadeiro.

Essa gente dos Dorias sempre me marcou fundo, mas sem que eu o percebesse direito, de início. Lembro-me do choque diante do retrato do trisavô, desencavado, desempoeirado quando uma tia-avó mexeu no fundo de seu armário. Reagi como se uma verdade absurda, incompreensível, inefável, estivesse sendo revelada no rosto do trisavô. Cara infeliz, brutal, de águia rancorosa; nome banal, José da Costa Doria, o filho de Manuel Joaquim e da prima direita Dona Teresa Sebastiana.

Rio, 1992. Venho de Petrópolis para o Rio no domingo negro do Collor. Atravessamos a Baixada: não tem nada, é um domingo banal. Chegamos a Copacabana, e vemos o imenso desfile de gente de negro. Copacabana — e Ipanema, onde vou mais tarde. A classe média, que desestrutura a simbiose entre a classe dominante e a classe subalterna, que desestrutura o acordo (nem sempre pacífico, certo) entre o dominador e seu cliente, o dominado, está toda aí, de preto. Classe média urbana. Atomizada, conflitiva, imersa em disputas.

Classe média sem memória. O que funda a dominação, no Brasil, é a oligarquia, e o que funda a oligarquia é esta particularíssima memória social que faz com que eu me estenda de hoje aos fundos de sombras no passado de trezentos, quatrocentos, quinhentos anos atrás.

O futuro, se classe média, será sem memória. Ou será que a classe média vai se inventar uma memória, ou vai descobri-la, ainda inédita, inexplorada, nalgum canto? Encontrar a memória que não vemos hoje?

Não fui Manuel nem José. Mas precisava ser Antonio, eu. Como outra lista dos Dorias, desde o século XVI, desde o século XVII. Uma lista com onze Antonios, diretos na agnação. O primeiro deles nem era Doria, era Moreira, perdido em sombras, em Basto, ao norte de Portugal. Descenderia, parece, quem sabe?, daquele distantíssimo Dominus Euenandus, o Dom Evenando que é maiorino régio dos reis de Leão ao norte de Portugal, em 908, há onze séculos. Mas, mesmo que se estabeleça uma linhagem razoável entre este Dom Evenando e eu, tal linhagem será sempre para mim da ordem dos sonhos e fantasias. Genealogias muito longas são sempre coisa do reino das lendas, da Princesa da Armênia, da Dama do Pé de Cabra.

O primeiro Antonio, o primeiro concreto, para mim, ao menos, nessa gente, o Antonio dito descendente dos Moreiras de Basto, vive em começos do século XVI. Serão dez Antonios, até me alcançarem, o décimo-primeiro. Homenageiam, com certeza, o santo que era dito O Martelo dos Herejes, Pavor dos Infiéis, perseguidor dos cátaros. (Santo Antonio, o Taumaturgo de Lisboa, Doutor da igreja, inquisidor feroz que amaciam no santo dos casamentos das festas de São João.) Cátaros que no entanto me chegam através dos muitos Dorias do século XIII, ancestrais diretos, com nomes tão provençais — e escandalosamente, agressivamente catarinos — como Percivale e Isotta. O nome: Antonio Doria, é um oxímoron. Pior ainda se agora lhe juntamos o hereje waldense que fazem num santo à outrance, São Francisco: Francisco Antonio Doria. O waldense, Francisco. O nome da gente cátara: Doria. E, no meio, o malleus haereticorum, Antonio. Meu nome, um oxímoron.

Filho deste primeiro dos Antonios é Martim Afonso Moreira, moço de câmara, que arriba a Salvador em 1567, e em 1580, proprietário de terras, dá dos seus chãos aos franciscanos para lá construírem seu convento e igreja, a igreja em frente, hoje, ao Cruzeiro de São Francisco. Casa-se com Joana de Gamboa.

Antonios se misturam a Martins Afonsos, até me alcançarem. O segundo Antonio, Antonio Moreira de Gamboa, filho do primeiro Martim Afonso e da sua Joana, é senhor de engenho e fidalgo, começos do século XVII; é o que se casa com a neta da genovesa Clemenza Doria, Dona Antonia de Meneses. Aí vem outro Martim Afonso, Martim Afonso de Mendonça, que é mais um senhor de engenho e fidalgo.

Encontrei sua assinatura no livro de irmãos da Misericórdia de Salvador. Levei o livro até o janelão da antiga sala do arquivo histórico da Misericórdia. Parapeito muito largo, janela quase uma seteira: devem ter colocado aqui alguma bombarda para atacar os holandeses, no começo do século XVII. Imagino, ou fantasio. Ponho na luz do sol a página, muito marron, cheia de buracos — a tinta comeu o papel. Um dos pedaços comidos, a assinatura de Martim Afonso de Mendonça, o sétimo avô, aquele a quem se referia meu tio Tunico, ``o nome da família era Mendonça; puseram Doria porque era mais bonito.'' Dá para ler: Martim. E basta. Começa num M desenhado firme, letra cursiva boa do século XVII. Passo o dedo por cima, para tentar encontrar um pouco da pressão dos dedos deste Martim Afonso de Mendonça, para procurar a memória da pressão dos dedos deste Martim Afonso no desenho da sua assinatura, assinatura de há trezentos e trinta anos atrás. Três séculos e mais três décadas. Tento encontrar, no tato, passando e dedo pela assinatura corroída, a textura da pele, o contacto com a mão de meu sétimo avô. Tento dar alguma realidade, algum corpo, alguma concretude a ele, ao avoengo Martim.

Não sei se consigo. Olho o mar, sol forte batendo, duas da tarde, e ao longe, no horizonte, Itaparica: com certeza tudo bem mais concreto. E desisto.

E dos Dorias ganhei marcas e estigmas; parte do que me nomina, prenome e sobrenome, como se quisessem me capturar, vampirescamente, de qualquer jeito, quando de meu nascimento. Quem escolheu meu nome foi Vuvu, que repetiu, quase, o nome (ainda assim um decassílabo sáfico, bem sonoro) de um primo-tio ancestral: Francisco Antonio de Menezes Doria, Francisco Antonio de Moraes Doria.