terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Vovó e a Oitava Sinfonia de Mahler


O retrato de vovó, Herminia Cresta Mendes de Moraes ou, de solteira, Herminia Gomes de Mattos Cresta, data de 1958. Ela, com setenta anos, festejando as bodas de ouro com vovô, Justo Rangel Mendes de Moraes; tinham casado em 28 de julho de 1908.

Em 1909 o bivô, Luiz Mendes de Moraes, fora brevemente ministro da guerra de Affonso Penna. Affonso Pena morre, é substituído por Nilo Peçanha. Este convoca meu bisavô e diz, General Mendes de Moraes, tenho plena confiança no sr., quero que continue no ministério. Responde meu bisavô: presidente, a confiança deve ser mútua. Me demito.

O bivô liderava uma ala do exército; no ostracismo, foi procurado por representantes do governo imperial alemão, que o convidaram, e à família, para visitar centros militares na Alemanha. Aceitou, e embarcam para a Europa o bivô, a bivó, Cecilia Rangel Mendes de Moraes (antes Cecilia Ferreira Rangel), vovô, vovó e Tia Maria, recém-nascida. A visita é muito solene; meus bisavós são recebidos inclusive em audiência privada pelo Kaiser, Wilhelm II, que lhes oferece um retrato autografado.

Em outubro de 1910 estão em Munique. Vovó me contou que ouviu comentários na cidade sobre a estréia mundial de uma sinfonia de um certo compositor austríaco. Vovó pergunta ao concierge do hotel se valia a pena assistir ao espetáculo. Responde o infeliz: vai ser um espetáculo circense; não vale a pena ir.

E assim vovó deixou de assistir à estréia mundial da Oitava Sinfonia de Mahler, a Sinfonie der Tausend, Sinfonia dos Mil. (Isso me contou ela no hall do andar do meio da Casa da Vovó, em frente à mesa que estava sempre coberta com revistas velhas, sentada na poltrona com uma arca junto da parede do banheiro, do outro lado das portas para seus apartamentos privados.)

Li pela primeira vez sobre a Oitava Sinfonia de Mahler na Pequena Enciclopédia de Conhecimentos Gerais, traduzida e aumentada pelo Almir de Andrade: dizia, numa nota ao pé da página, que embora sinfonias de Mozart e Haydn durem quinze, vinte minutos, a Oitava Sinfonia de Mahler durava mais de uma hora. Associei na hora, na minha cabeça, aquele nome, Gustav Mahler, a uma figura rotunda e solene, e me espantei ao ver tempos depois o desenho de Orlik, o retrato de Mahler em perfil, rosto magro, nariz afilado; nada rotundo.

Ouvi pela primeira vez a Oitava Sinfonia em 1960, num dos vesperais sinfônicos da rádio Mec (não existem mais, e nem a ópera das 5 da tarde dos domingos; lá, agora, na Rádio Mec, só dá samba). Me ficou uma idéia confusa, dissonante, da sinfonia; era a gravação de Eduard Flipse, com a Sinfônica de Rotterdam, e mais de mil executantes, sim. Comprei essa mesma gravação uns dois anos depois. Papai odiava; mamãe, sem ouvido musical, era-lhe indiferente. Em 1964 comprei Das Lied von der Erde, na gravação regida por Hans Rosbaud; é, em minha opinião, a obra-prima de Mahler, e a orquestração mais perfeita que jamais se fez.

Em tempo: vovó era filha de Emmanuel Cresta, genovês, e de Leonor Gomes de Mattos; neta paterna de Vittorio Cresta e de Erminia Notaroberti, ele genovês e ela napolitana; neta materna de Antonio Gomes de Mattos Jr. e de Joaquina Rosa de Oliveira Costa, a Joaquina da Praia da Joaquina.

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