quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

1968, VII: Breve intermezzo sobre o Velho Justo

Meu avô materno, o Velho Justo, foi quem morreu em março de 1968. Nenhum de nós, seus netos, alguma vez se atreveu a chamá-lo assim; só inventamos o nome Velho Justo depois de sua morte. Seu nome: Justo Rangel Mendes de Moraes, ou, como preferia se assinar, Justo de Moraes. O Doutor Justo.

Velho, porque nasceu em Rio Grande, lá no sul do Rio Grande do Sul, em 1883, e morreu com 85 anos em 1968. O pai era de família paulista antiga, a mãe, uma maragatona prima de Bento Gonçalves, o dirigente dos farrapos. Estudante de direito, meteu-se na revolta contra a vacina obrigatória. Quando se formou, associou-se a Inglês de Souza e a seu colega de turma, Herbert Moses, e fundaram os três um escritório de advocacia, que persistiu até a morte de Tio Luiz em 1978. Vovô defendeu os revoltosos de 1922 e os tenentes; em 1933 foi a São Paulo para conciliar o estado e o governo central. Consultado por Getúlio, indica-lhe o nome de Armando de Salles Oliveira para interventor em São Paulo, e se elege deputado corporativo, no período constitucional do primeiro governo Vargas.

Em 1964 apoia o golpe militar, mas, embora amigo pessoal de vários membros do novo regime, rompe com este em 1966, numa entrevista dada ao jornal Ultima Hora. Mesmo assim, quando morre em 1968, é homenageado pelo governo Costa e Silva.

Vovô era um libertário. Melhor, me corrijo: era um cara paradoxal. Muito autoritário no relacionamento pessoal, era publicamente um libertário extremado, ultra-radical, tipo não concordo com o que você diz, mas defendo até a morte seu direito de ter uma própria opinião.

A última vez que estive com ele foi no sábado antes de sua morte, 9 de março. Saí da praia em Ipanema, era um dia super ensolarado, comprei na banca de jornais da Praça General Osório, ali ao lado de onde havia um vendedor de coco fresco e de caldo de cana, o Estadão de sábado — chegava ali sempre ao meio-dia. Pesquei o suplemento literário e vi, logo na capa do suplemento, um artigo de Willy Lewin, “Esta prateleira do fantástico,” sobre ficção científica. Me citava um artigo recém-publicado no Quarto Caderno, e me elogiava: subi aos céus.

Era a primeira vez que alguém me citava, genial, maravilha das maravilhas!

Cheguei na casa da vovó, eram já quatro da tarde, subi correndo as escadas do fundo, da parte de trás da casa, a escada de serviço, meio pingando água e deixando rastro de areia dentro de casa, e vejo, no gabinete de vovô que ficava no andar do meio, vovô, na cadeira de balanço, e o Neco, o Prudente. Entro correndo no gabinete, vovô não se mexe — em geral reclamava, que é isso? Furacão? Mas daquela vez não reclamou. Mostro ao Neco a citação de Willy Lewin, ele brinca comigo a respeito. Aí olho para vovô. Vovô estava sempre meio ausente, calado, olhando pela porta da varanda para fora, parece que estava olhando os topos das árvores do jardim e, lá longe, a rua. Tava com os olhos fundos. Cara de passarinho triste, como dizia mamãe.

E' minha última memória dele.

2 comentários:

Giancarlo Zeni disse...

Doria,
Inveja (branca) do teu talento pra escrever!
Sempre passo por aqui para ler teus escritos. Se esses de 68 virarem livro, sou o primeiro a comprar.

Abçs.
Gian

Francisco Antonio Doria disse...

Fui jornalista, só isso, Gian... Vai virar livro sim.